O caso não é único nem novo: para muitos, ir aos Estados Unidos da América abastecer-se de um filho é uma opção de vida. Encomendar um bebé como quem vai comprar três quilos de carne de qualidade a um supermercado de luxo. Claro que é preciso ter dinheiro, muito dinheiro, porque a coisa não fica por menos de 100 a 200 mil dólares. Um pouco mais, se os pais forem famosos, como Sarah Jessica Parker, Elton John ou Jimmy Fallon, que também usaram deste serviço. É mais limpinho e seguro do que fazê-lo noutros supermercados de crianças conhecidos por terem boas incubadoras humanas, como a Índia, a Tailândia, a Geórgia ou o México, que fazem a coisa mais em conta (entre 45 e 55 mil dólares, em média) – nos EUA sempre há menos doenças e moscas.
Um dos casos que veio a público foi o de Paulo e João, que em 2014 usaram uma barriga de aluguer na Pensilvânia para ter um filho. Fez manchete no New York Times e chegou às páginas dos jornais por cá, sem que o casal homossexual português assumisse a sua identidade: afinal, pagar por uma barriga de aluguer em Portugal é crime. Vou repetir: é crime. E é crime porque se entende que explora as mulheres, na sua esmagadora maioria desfavorecidas, que vendem os filhos e o útero em troca de dinheiro; é crime porque atenta contra os direitos das crianças que são arrancadas das mãos de quem as gerou e com quem criaram laços inquestionáveis. É crime porque ofende o mais elementar princípio constitucional do respeito pela vida humana e pela sua dignidade.
Da mesma forma que em Portugal não se permite um pagamento por doações de sangue ou a compra e venda de órgãos humanos, não se aceitam as barrigas de aluguer remuneradas, como é permitido em certos países pobres e nalguns estados dos EUA, onde a vida é um valor relativo. Por cá, felizmente, a gravidez de substituição só é aceitável como ato maior de generosidade, em que entregar um filho é dádiva de puro amor. Casos como o de uma mãe que gerou para uma filha infértil, uma irmã que se ofereceu para carregar no ventre um sobrinho, uma amiga que quer ajudar um casal que vê como família. E ninguém pode receber dinheiro para gerar um bebé para outra pessoa, apenas pode ser ressarcido do reembolso de despesas médicas razoáveis.
A nova lei da gestação de substituição – em bom rigor, barriga de aluguer é em Portugal um termo desapropriado –, que foi aprovada no ano passado e que aguarda a regulamentação do Ministério da Saúde, apenas prevê essa possibilidade para situações de doença (mulheres sem útero, como as transexuais, ou inférteis) e não para opções de vida. Excluem-se, e bem, casos em que não gerar é uma escolha (legítima como qualquer outra, mas egoísta), como o da senhora que não queria engordar ou a quem uma gravidez ia estragar a carreira, ou o do rapaz que queria ter mais filhos mas não está para aturar as mulheres.
Toma lá um bebé, passa para cá a massa? Peço desculpa, mas é um conceito que me revolve as entranhas. Só quem nunca sentiu vida a crescer, só quem nunca viu nascer um filho e lhe ouviu o primeiro choro é que pode achar que não há violência nesta separação à nascença, para a mulher e para o bebé. Como se fôssemos máquinas e uma gestação não implicasse afetos. Como se um filho fosse um produto e a gravidez um serviço. Há uma solução para quem quer filhos, tem amor para dar, mas não os pode ou quer conceber: chama-se adoção. Sim, é difícil e tem riscos. Sim, exige um enorme sentido de responsabilidade e de compromisso. Mas é, nestes casos, a única que não faz do nascimento de um bebé um negócio de carne fresca.
Artigo publicado na edição 1267, de 8 de Junho, da revista VISÃO