Quem manda, afinal, nos Estados Unidos da América? A pergunta ganha cada vez mais sentido à medida que se vão sucedendo as decisões e nomeações da nova Casa Branca, numa sucessão mirabolante que nem os argumentistas de Homeland teriam coragem de escrever – para não prejudicar a veracidade (e credibilidade) da série de televisão que em Portugal é exibida sob o nome de Segurança Nacional.
Sabemos que é Donald Trump quem assina os decretos presidenciais, sempre numa elaborada, embora repetitiva, coreografia na Sala Oval, como se nos transformasse em espectadores involuntários de um reality show. Mas também se vai percebendo melhor que grande parte daquelas decisões não saem da sua cabeça, mas sim da do cada vez mais omnipresente Steve Bannon, o conselheiro que ganhou notoriedade como diretor do Breitbard, um website que ele transformou numa “plataforma” para todos os seguidores da corrente supremacista branca, adeptos declarados do racismo, antissemitismo e xenofobia, e onde foi debitando, ao longo dos anos, muitas das ideias e propostas que Trump tem começado agora a pôr em prática (ou a tentar, vá-se lá perceber até onde chegará o movimento de resistência que começou a erguer-se na América).
De acordo com a maioria dos media americanos, foi Steve Bannon (juntamente com Stephen Miller) quem escreveu o discurso de tomada de posse de Donald Trump – aquele em que ele confirmou tudo o que havia prometido durante a campanha eleitoral. Nas várias fotos das reuniões de Donald Trump na Casa Branca consegue-se vislumbrar Steve Bannon em quase todas (por vezes até à cabeceira da mesa, como sucedeu no encontro com alguns CEO das grandes empresas americanas), sempre com o ar e a postura de arquiteto-mor da estratégia presidencial. E na imprensa americana foram também inúmeras as vozes que ligaram ao pensamento de Steve Bannon a recente decisão de Donald Trump de impedir a entrada de imigrantes de sete países islâmicos no país.
O coro de protestos que ecoou, em todo o mundo, sobre o decreto antirrefugiados, fez desviar as atenções de outra decisão de Trump, tomada nos mesmos dias, e que embora seja mais discreta é vista por muitos como potencialmente mais grave e até, no limite, quase equiparada a um golpe de Estado: a nomeação de Steve Bannon para um lugar permanente no Conselho de Segurança Nacional. Para conseguir ter o seu conselheiro mais próximo no órgão máximo da segurança (cuja importância se pode aferir pelo facto da sua existência ter sido até secreta durante cerca de três décadas), Donald Trump fez o que nunca outro Presidente tinha feito antes dele. Não só nomeou um amigo civil e político para o órgão, como limitou, na prática, a presença nessa mesma mesa de duas das figuras mais importantes da cadeia de comando das forças de segurança dos EUA: o diretor nacional de informações (que supervisiona todas as agências de segurança e espionagem) e o chefe de Estado-Maior, que é o oficial mais graduado das Forças Armadas americanas. Ambos viram a sua posição rebaixada – apenas serão chamados a dar a sua opinião em assuntos que lhes digam diretamente respeito – para poder entrar Steve Bannon, que, na prática, passa a ter, dessa forma, um poder, embora na sombra, só comparável ao de Donald Trump.
Esta decisão inédita na história recente dos EUA significa que, a partir de agora e sem qualquer espécie de controlo, há um supremacista radical – elogiado publicamente pelos líderes do Ku Klux Klan, e que considera o The New York Times um “partido de oposição” – com assento permanente no órgão que, entre outras funções, supervisiona a maior rede mundial de espionagem e informações, nomeadamente as comunicações e conversas de milhões de cidadãos por todo o mundo – como se percebeu através das informações difundidas por Edward Snowden. O mundo está mesmo perigoso.