Todos nós temos aquela foto, mais ou menos embaraçosa, que nos transporta magicamente para as origens. Eu não sou exceção. Há um retrato em que tenho uns sete anos, estou vestida de vermelho, saia e camisola, tenho cabelo curto e faço pose, de pé, em cima de um muro, com toda a grandeza das montanhas e fragas da minha terra (em Trás-os-Montes) como cenário natural. Vagamente em contraluz, a fotografia não tem nada de perfeita, mas reconheço que cumpre uma missão: mostrar-me quem eu sou e de onde vim, o que é bem mais importante do que parece.
É mais ou menos o que acontece com a foto acima que encerra em si as origens de José Sócrates. Foi tirada em 1986, na Covilhã, e nada nela faria prever um “animal feroz” que, 28 anos depois, seria ‘enjaulado’ preventivamente no Estabelecimento Prisional de Évora, durante nove meses, por causa de envelopes de dinheiro entregues por um motorista.
A imagem não combina com o estudante de Filosofia que passou dois anos em Paris, parte dos quais a viver numa casa luxuosa, no “quarteirão de Passy, no coração do bairro número 16, que é o mais caro, mais conservador e mais fidalgo” da capital francesa, como descreveu o Expresso.
Também ninguém diria que aquela figura fina e despenteada, de calças e casaco largos e gravata estreita acabaria a vestir fatos de milhares de euros, ou antes, milhares de dólares, comprados na americana “House of Bijan”, uma das lojas prediletas de poderosos como Vladimir Putin, George W. Bush ou Bill Clinton, onde só entra um cliente de cada vez e com marcação.
Não há mal nenhum em ter à frente dos destinos do País, como aconteceu entre 2005 e 2011, um primeiro-ministro que vem da Covilhã como engenheiro técnico e se estabelece num apartamento no edifício Enron Castilho, um dos mais invejados de Lisboa. Que passa férias em resorts de luxo, faz safaris com os filhos, adora comida italiana, calça ténis de marca e cita Carl Schmitt, Stuart Mill, Bentham e Kant em entrevistas.
Aliás, já no tempo de Camilo Castelo Branco, as delícias dos leitores não eram feitas pelos senadores da causa pública, mas pelos políticos vindos da província – ao estilo dos que não trocam a Travessa do Possolo pelo Palácio de Belém ou dos que preferem os paraísos suburbanos como Massamá. E a julgar pelas recentes manifestações de solidariedade para com José Sócrates, os portugueses parecem manter uma certa admiração por esse tipo de ascensão social.
A fotografia de Sócrates original, a preto e branco, com um ar quase naïf e desenquadrado, diverte mas, acima de tudo, faz milagres. É pela pessoa daquela imagem ultrapassada que uma massa de gente é capaz de meter-se em autocarros para participar num almoço-comício, pela módica quantia de 25 euros, sem saber se dali vai sair um candidato presidencial ou um acusado de Carlos Alexandre.
Para os outros, que também se sentaram à sua volta no mesmo almoço, mas que já nasceram entre a elite ou passaram a fazer parte dela, haverá sempre (o Sócrates de) Paris.