Para este texto, entendi “comida saudável” como aquela capaz de proporcionar saúde física e mental, fruição emocional e sensorial, proteção da natureza e proteção social de quem produz. Este modo de olhar a nossa alimentação faz do Natal uma época particularmente feliz para procurarmos o genuíno, em quantidades mais limitadas, de sabores únicos, talvez até mais caro e mais difícil de encontrar. Teremos de procurar com tempo. Tempo de Natal. Tempo para nos tornarmos co-produtores. Ou seja, para nos aproximarmos da produção e dos artesãos que nos disponibilizam milhares de produtos alimentares de grande qualidade, de norte a sul do país.
Este conceito de comida saudável não implica qualquer restrição na altura de comer. Significa apenas, aproveitar a época do Natal para uma aproximação aos sabores mais autênticos e para se fugir durante uns dias à comida banal, em excesso, hipercalórica e de má qualidade que também anda por aqui nesta época.
Como o fazer? Aqui ficam algumas sugestões:
1. Planear a compra. Identificando produtos alimentares e modos de utilização. Em todo o país existem produtos tradicionais reconhecidos e mais ou menos protegidos. Desde a Broa do Vale de Sousa ao queijo de cabra do Azinhal no Algarve, passando pela Maçã Reineta de Colares, o pão de Janas ou o Leitão de Negrais, de Almargem do Bispo, na região de Lisboa e Vale do Tejo. Identificar, encomendar, saber a história do produto e perceber que ao comprá-lo estamos a proteger empregos, a biodiversidade e tradições seculares e que tudo isto é um investimento.
2. Produtos alimentares especiais merecem momentos especiais e companhias especiais. Seja a família ou os amigos. Este modelo de consumo em grupo, em convívio, onde o alimento é respeitado e explicado e onde a qualidade é mais importante do que a quantidade, gera quase sempre menor consumo calórico e maior equilíbrio nutricional.
3. Planear a refeição. Planeie as refeições do princípio ao fim. A presença de água à mesa desde o início e ao longo de toda a refeição em copo apropriado (que pode ser uma água mineral de qualidade) faz toda a diferença, hidratando e evitando o consumo excessivo de calorias e álcool. A presença de aperitivos naturais (frutos gordos: nozes, amêndoas torradas, avelãs ou até pinhões), em vez de salgadinhos industriais ou charcutaria hiper salgada e fumada, fazem toda a diferença nutricional. E ter uma boa salada de frutas, abundante e à descrição para os convidados, é um convite saudável à redução de açúcar e gordura no final da refeição.
4. Planear a ementa e as receitas familiares certas. O Natal é uma experiência gastronómica única para a nossa memória gustativa. A educação para o gosto faz-se nestes momentos, em particular para os mais novos. Quem tem crianças pode aproveitar para lhes dar a provar um determinado sabor e uma referência olfativa para o resto da vida. “Isto é aquilo que a nossa família prova há gerações nestes dias”. Memorizar uma história familiar através do paladar é uma experiência única.
5. Os acompanhamentos fazem a diferença nutricional nas festas natalícias. Por exemplo, ter pão fresco de qualidade, ou seja, pão de fermentação lenta e de cozedura tradicional na mesa, significa menos calorias, gordura e sal do que bolachas, salgados e outros aperitivos e melhor digestibilidade. Vale muito a pena ter um pão de qualidade neste Natal, que aguente 3 ou 4 dias em plenas condições e que não seque em horas.
6. Por fim, dizer que os alimentos para chegarem à nossa mesa fazem um longo percurso. Um bacalhau pode percorrer milhares de quilómetros, sendo depois salgado e tratado por muitas mãos, durantes semanas, até chegar a nossa casa. Um quilograma de chocolate necessita de aproximadamente 17 000 litros de água para ser produzido. E um quilograma de carne de porco quase 6 000 litros. Todos os alimentos deixam a sua marca na natureza e qualquer desperdício é de evitar.
A comida não é apenas promotora de uma vida mais saudável. É a nossa relação com a natureza, é a nossa relação com os outros, é a nossa cultura, é a nossa história, é a nossa relação com quem produz e isto tudo junto não pode ser afastado de uma certa espiritualidade. Afinal, talvez o espírito de Natal esteja presente na nossa forma de comer e de vermos o mundo através da comida.