Apesar de algumas pessoas acharem que os trabalhos de crianças e adolescentes, talvez por serem mais novos, serão mais leves, sou dos que entendem que, pelo contrário, são trabalhos pesados, pelo que as férias são bem merecidas e, esperemos, usufruídas depois de resultados positivos na avaliação escolar.
A duração das férias em Portugal acompanha a média dos tempos de férias verificados nos outros países europeus. No entanto, a generalidade dos alunos portugueses tem uma presença diária na escola bastante significativa se considerarmos o horário lectivo, as actividades de extensão curricular, a eventual presença de mais algum tempo na escola ao abrigo de um dispositivo designado por Componente de Apoio à Família. Tudo somado temos muitas crianças e adolescentes que ficam nas escolas 50 horas ou mais por semana.
Para alguns acrescem ainda actividades fora da escola, os trabalhos de casa e os centros de explicações. São férias mais do que merecidas.
No entanto, para muitas famílias, com as férias chega um novo (velho) problema: como ocupar as crianças e jovens durantes este tempo de férias?
Para além do recurso cada vez mais difícil à família alargada, algumas escolas, instituições de solidariedade social ou autarquias tentam, pelo menos durante algum tempo, minimizar este problema, disponibilizando algumas actividades de natureza diferenciada, sendo que em algumas circunstâncias acabam por ser próximas de actividades de natureza escolar e lá ficam as férias um pouco ameaçadas pela continuidade do mesmo trabalho.
Por outro lado, sobretudo nas zonas de maior densidade populacional, também tem surgido uma enorme oferta de programas e iniciativas destinadas a ocupar o tempo de férias.
Toda esta oferta, chamemos-lhe assim, é importante, mas para muitas famílias coloca-se o problema da acessibilidade devido aos custos que essas actividades podem implicar e que num tempo de dificuldade podem tornar-se ainda mais significativos.
Muitos pais colocam com alguma frequência questões ou dúvidas sobre este enorme leque de possibilidades, o que me leva a algumas notas.
Olhando para o que é divulgado encontramos um sem-fim de escolhas e designações, oficinas, ateliers, playcenters, workshops, espaços lúdicos, etc., direccionados para música, dança, literatura, contos e histórias, actividades expressivas, plásticas ou artísticas, etc.
Também está disponível, naturalmente, oferta na área do desporto envolvendo diferentes modalidades, indoor ou de ar livre e em diferentes versões. É ainda de considerar as actividades ligadas à natureza, quintas pedagógicas, contacto com animais e espaços de aventura, campos de férias ou, não podiam faltar, actividades de praia.
Para que não fique qualquer dúvida sobre esta reflexão quero afirmar que neste enorme universo existem iniciativas de excelente qualidade. A minha questão é a reserva com que creio que deve ser considerada a sua utilização excessiva em muitas situações.
Ainda considerando este cenário, é com alguma regularidade que sinto ser necessário referir uma preocupação emergente. Em muitas famílias tem vindo a ganhar peso a convicção de que para o bem-estar, para o desenvolvimento e para o sucesso educativo da crianças é imprescindível o seu envolvimento em inúmeras actividades e, mais do que isso, o seu desempenho em todas essas actividades deve ser excelente. Só assim, pensa-se, serão adultos bem-sucedidos.
É curioso que muitos pais ‘identificam’ e explicitam o que entendem ser as virtudes de todas as actividades em que desejam ver envolvidos os filhos. Desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia, liderança, persistência, motivação, etc. são termos comuns nas justificações de muitos pais.
Esta visão já se observa com demasiada frequência em tempo de aulas e tem criado o que costumo designar por ‘criança agenda’, isto é, a criança que está sempre envolvida em qualquer atividade, a quase todas as horas.
A verdade é que alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta, pressionados pelos estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos, aceitam comprar mais um ‘serviço educativo’.
Reafirmo que não duvido que a generalidade destas actividades tenha algo de positivo para as crianças e adolescentes e também não coloco qualquer reserva à seriedade e competência dos responsáveis. Apenas me inquieta por várias razões a pressão criada sobre os pais, correndo-se o sério risco de transformar as férias de crianças e adolescentes em algo de cansativo, cheias de ‘tempos livres’ que de livres podem ter pouco.
Deixem-me partilhar uma história real. Uma mãe disse-me que estava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis “dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras”. Fim da história.
É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais de que os tempos não são para brincadeiras.
Era bom escutar os mais novos. Se lhes perguntarem, se os ouvirem, se os lerem, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.
A idade deveria fazer-nos perder a ingenuidade mas gosto de pensar que considerando os recursos, tempo por exemplo, das próprias famílias ou recorrendo a outro tipo de iniciativas, talvez possamos ter no tempo de férias outro tipo de opções, menos sofisticadas, mais abertas, menos exigente em quantidade de actividades, em realização ou em desenvolvimento. Não é impossível.
Era bom que as férias fossem, tanto quanto consigamos, isso mesmo, férias, tranquilas, com rotinas diferentes.
Portanto, boas férias. As férias possíveis.
(Texto escrito de acordo com a antiga ortografia)