O desejo sexual é como uma floresta. Uma entidade viva, mutável, transforma-se, e é sujeito à acção de múltiplos agentes. São muitas as variáveis que podem fazê-lo crescer e outras tantas que o podem destruir. É multifactorial, flutuante (sobretudo nas mulheres), oscila ao sabor de ventos e chuvas, renova-se num fluxo perpétuo. Pode ter muitos picos e vários auges ao longo do ciclo de vida e, sim, também na idade sénior. Entre tantos factores que o influenciam, vou só destacar um em particular: o contexto relacional. Unicamente com base nesta variável, aqui apresento o desejo em três actos.
I Acto: O desejo não concretizado
O primeiro acto é um prelúdio erótico. Desenrola-se antes da relação, quando ainda nada aconteceu. É um desejo completamente baseado na atracção. Os ingredientes principais são a imaginação, a expectativa, a idealização e a novidade. Sente-se uma espécie de urgência, e podemos construir o filme todo numa elaboração que alimenta o próprio desejo. Baseado pura e simplesmente na antecipação do que virá, e como será, é um desejo arrebatador. É feito de olhares, de gestos, movimentos do corpo, tudo a dizer a mesma coisa: olha para mim! Toca-se sem tocar, ou toca-se mesmo, um roçar de ombros, ou mesmo um beijo, cheira-se o outro, afastam-se, aproximam-se, e voltam a afastar-se. Tudo isto atiça um rastilho muito curto que incendeia o corpo. Há um eclodir de sensações, o corpo toma outra dimensão. No inglês, sexual arousal, que é mais do que “excitação sexual”. E quanto tempo é que o corpo resiste? O encontro erótico com a outra pessoa parece inevitável e concretiza-se o desejo. Mas pode não ser assim. A escolha pode ser em sentido contrário. Alimentar a narrativa inacabada, quando se quer manter o desejo pelo desejo. É um processo mais mental, e o corpo passa para segundo plano.
II Acto: O desejo fusional
O segundo acto acontece quando a relação se concretiza. Entra em cena a paixão que é o actor principal neste acto, a grande marca deste período. Vivem-se os primeiros tempos, luas de mel, uma vontade inesgotável de estar com a outra pessoa. No estado de paixão, há um desejo de união e de fusão com o outro. É um desejo permanente e tão intenso que se quer entrar na pele do outro. A empatia é fácil, a sintonia flui, tudo faz sentido, tudo se encaixa, abre-se o peito, caem as defesas, parece que ambos beberam a poção mágica. É um desejo inebriante. Um fogo que arde e que se vê, ao rubro.
III Acto: O desejo reinventado
Passados os primeiros tempos, mais ou menos longos, o terceiro acto desenrola-se na relação de longa duração. Nascem filhos, emergem as diferenças entre os dois. O desejo sexual não fica imune e vai sofrendo alguma erosão. As coisas a que achávamos graça no outro no início, agora irritam-nos. Os estímulos eróticos que antes funcionavam como gatilhos da excitação sexual, agora já não funcionam. São precisos novos estímulos. Os momentos sexuais a solo tornam-se mais frequentes. Neste terceiro acto há um desgaste do desejo. É muitas vezes um desejo entediado, reciclado, envolto na rotina do quotidiano e contaminado com os pequenos stresses. Há outras necessidades que se impõem, seja o cuidar dos filhos, a carreira profissional, a gestão da casa, do carro, da imagem, etc. Soa o alarme! É preciso inovar e ser criativo. “Temos que inventar mais, não é?”, pergunta a minha cliente. Neste terceiro acto, o desejo implica uma reinvenção, uma constante reelaboração da intimidade, uma exploração de novos estímulos. É preciso salvar o espaço privado, porque a esfera pública está a ficar maior, ou seja, é preciso fazer tempo e espaço para o casal. Uma das grandes tarefas da conjugalidade é manter o erotismo na relação. É um investimento trabalhoso, mas que pode valer a pena. Como é que isto se faz? Não há receitas, mas deixo algumas pistas. Antes de mais, perseguir o prazer, querer verdadeiramente isso de modo individual. Depois, abrir baús eróticos, procurar e actualizar fantasias, memórias, e imagens. Comunicar à outra pessoa as necessidades eróticas, reinventarem juntos, disponibilizarem-se para explorar novas formas de prazer dentro das limitações que possam existir. E há outra coisa que considero muito importante como “tábua de salvação” nos momentos mais críticos na conjugalidade. É a admiração que se tem pela outra pessoa, ou seja, admiração de algum aspecto em particular. O que é que eu admiro nele? Pode ser uma admiração intelectual, pode ser a forma como toca guitarra, ou como praticou disciplinadamente uma actividade física ao longo da vida, ou como dança ou canta ou seja lá o que for. A admiração pode salvar alguma coisa dentro de nós nos momentos em que apetece largar tudo.
Mas não pensem que a peça se esgota em três actos. Tudo pode recomeçar se houver um novo estímulo, um novo contexto. Ou seja, um novo parceiro. E a peça recomeça.