Conta Nancy Reagan que na fase final da vida de Ronald Reagan costumava dar pequenos passeios na vizinhança da casa. As pessoas com quem se cruzavam vinham de imediato cumprimentá-los. Ronald Reagan já em fase avançada da sua doença de Alzheimer perguntou-lhe uma vez: “Porque é que estas pessoas me vêm cumprimentar?”
Esta pergunta mostra claramente que Ronald Reagan tinha perdido a consciência de si enquanto ser com uma continuidade histórica que só uma memória intacta pode preservar. Desafortunadamente morreu sem nesse momento saber que terá sido o homem mais poderoso em toda a história da humanidade.
Alois Alzheimer que a par de Emil Kraepelin e Sigmund Freud foi um dos mais brilhantes e influentes psiquiatras do início do século XX (nenhum recebeu o prémio Nobel como mereciam) identificou clinicamente a doença em 1901. Após a morte da doente Augusta D. que acompanhou durante 5 anos (uma mulher de 55 anos) teve então a oportunidade de relacionar os dados clínicos com a observação anátomo-patológica de tecido cerebral obtido em autópsia.
Verificou então a presença depósitos de substancia amilóide e de emaranhados neurofibrilhares que traduzem de facto o que veio a reconhecer-se como um processo degenerativo de estruturas importantes do sistema nervoso central. Do processo de degenerescência resulta consequentemente a perda progressiva das funções nervosas superiores com particular realce na memória.
Nessa época em que a expectativa de vida era muito mais baixa do que é hoje a prevalência da doença de Alzheimer era naturalmente mais baixa, o que remeteu a doença de Alzheimer para o grupo das demências pré-senis (abaixo dos 65 anos). Hoje sabemos que a doença é a forma de demência mais frequente, sendo relativamente rara antes dos 65 anos, afectando 1% dos idosos entre 65 e 70 anos. Após os 70 anos atinge 6%, aos 80 anos 30% e depois dos 90 anos 60%, numa progressão exponencial associada à idade. Há até quem diga que se todos vivermos o tempo suficiente todos viremos a ter doença de Alzheimer.
Numa população tão envelhecida como a nossa, a prevalência de demência de Alzheimer já está a provocar um dano considerável na vida das famílias e da sociedade em geral, com custos sociais e económicos consideráveis. A perda da memória e das outras funções nervosas superiores, as alterações do humor e do comportamento e sobretudo a progressiva dependência de terceiros para garantir os cuidados básicos de vida desviam e mobilizam demasiados recursos que eventualmente poderiam estar a ser aplicados noutras áreas do desenvolvimento do país. Contudo, numa sociedade eticamente responsável como a nossa não poderá haver dúvidas na utilização desses recursos para defender a dignidade de cada um dos seus cidadãos.
Por enquanto em Portugal são essencialmente as famílias que estão a suportar o impacto da doença. Muitas IPSS e também entidades privadas começam a mobilizar-se para prestar cuidados de qualidade no contexto de boas e adequadas práticas. Certamente que no futuro o Estado será confrontado com a necessidade de intervir mais activamente no processo porque o nº de elevado de doentes e de famílias afectadas o exigirá.
Se é certo que a investigação genética, neuroquímica, neurobiológica, neuropsicológica e imagiológica ainda não produziu resultados terapêuticos relevantes, a doença de Alzheimer atinge um tão elevado número de pessoas no Ocidente que o “mercado farmacêutico de Alzheimer será muito atractivo”. Por isso podemos estar seguros que quer a nível farmacêutico, quer a nível da biotecnologia surgirão tratamentos que poderão estabilizar, fazer retroceder e talvez até curar a doença de Alzheimer.
Deveria também competir aos Estados, por interesse próprio, patrocinar esta epopeia na pesquisa dos melhores tratamentos mas, como sabemos, há muito tempo que os poderes públicos se alhearam do salto tecnológico que é necessário dar entre o conhecimento científico que financiam e o desenvolvimento de produtos que esse conhecimento na prática serviu.
Para os doentes, famílias e sociedade a descoberta do bom tratamento será um salto civilizacional. Para todos nós será a possibilidade de viver mais tempo, sabendo no final da vida quem somos e quem fomos.