Cada vez mais as famílias são compostas por elementos de várias espécies. Assim temos, a par dos humanos, os animais que com eles coabitam e aos quais são atribuídos direitos semelhantes aos do resto da família: alimentação de qualidade apropriada ao seu estado físico, raça e idade; cuidados médicos preventivos e curativos; atividades lúdicas com recurso a brinquedos cognitivamente interessantes e educativos; cuidados de higiene adequados, que incluem o pelo, a pele, os ouvidos, as unhas e os dentes; educação adaptada, com recurso a treinadores e escolas de treino.
Em casais jovens, um animal de estimação vem muitas vezes antes da decisão de alargar a família a um bebé humano, ou porque este já existia antes da união, ou porque foi adotado depois. Normalmente todos os afetos do casal são concertados no seu amigo de quatro patas. A partir do momento que acontece a gravidez a atenção foca-se nos cuidados com a grávida, nos preparativos para a chegada do bebé, nas atenções dos familiares que se regozijam com o eminente acontecimento. Em muitas famílias o animal passa de prioridade a algo secundário, em que as rotinas mudam, os cuidados básicos são negligenciados, a interação reduz-se drasticamente, com menos passeios, menos tempo de brincadeira, menos tempo de qualidade com a família. O relacionamento degrada-se, o animal fica confundido e frustrado, muda algumas atitudes, no sentido de tentar reconquistar o a sua anterior posição no seio familiar. Estas mudanças de comportamento contribuem, muitas vezes, para agravar ainda mais o relacionamento, com tutores já impacientes a penalizarem ainda mais o animal, sem compreenderem a verdadeira razão da sua atitude.
E tudo culmina com o nascimento do bebé. A sua chegada a casa vai, sem sombra de duvida, perturbar o ambiente social e os animais que a habitam. Um choro agudo e insistente, odores completamente desconhecidos, alterações drásticas na rotina, entrada e saída frequente de novos humanos, um corrupio de atividade, muitas vezes invasora da paz familiar, são no mínimo stressantes a até assustadoras. Mas algumas coisas podem ser feitas, a titulo preventivo e não só, para minimizar todo este stress e levar o animal a aceitar pacificamente as inevitáveis alterações de rotinas.
Por favor, lembrem-se que nenhum animal deve ser deixado sozinho com um bebé. O relacionamento deve ser sempre supervisionado, não por recear a sua agressividade contra o recém-nascido, mas porque, em busca de afetos ou calor, o animal pode deitar-se sobre a sua cabeça e este não tem capacidade para o evitar. Aliás, nenhuma criança deve ser deixada sozinha com o seu amigo de quatro patas, até ter idade suficiente para se comportar adequadamente com o mesmo. E isto pode só acontecer por volta dos 10/12 anos. Este cuidado protege ambos: a criança e a mascote.
Portanto, aqui deixo algumas dicas que podem facilitar muito a integração do recém-nascido no ambiente familiar multi-espécie.
1 – Antes do bebé nascer, tente implementar horários que sejam compatíveis com as rotinas que irá adotar depois deste chegar a casa. Comece por alterar gradualmente as rotinas de alimentação, higiene e passeios e adapte-as à futura realidade. Provavelmente têm que ser feitas alterações radicais e se o planeamento for feito atempadamente, assim como o começar a por, tais alterações em prática, o seu nível de stresse será com certeza menor e o seu animal aprenderá a adaptar-se à chegada do novo membro da família. Inclua no seu horário 5 a 10 minutos diários para dedicar exclusivamente ao animal. Durante este período brinque com o seu gato ou cão, afague-o, fale com ele, enfim, tudo aquilo que ele gosta, mas sempre de forma tranquila. Tente manter sempre os mesmos horários e faça-o na presença da criança, depois do nascimento. Poderá ser necessário acordar um pouco mais cedo e poderá, também, ser necessário que alguém olhe pelo bebé enquanto isto acontece, para que não tenha que interromper repentinamente a sessão, no caso deste chorar. Muitos cães e gatos ficam bastante incomodados com o choro dos bebés e a atitude do tutor pode condicionar a forma como estes o vão aceitar. Se se mantiver calmo, o animal aprenderá que este ruido, apesar de incomodativo, não trás nada de mal e passará a aceitar tranquilamente, como um ruido familiar. E aprenda a disfrutar do momento como forma de relaxar e descontrair, sem culpas. Afagar o pelo do animal, ouvir o seu ronronar, disfrutar do seu carinho, baixa a pressão arterial, promove o relaxamento muscular, faz subir a autoestima da recente mãe, ainda a braços com adaptações hormonais e físicas. Se houver vários animais na casa, cada um deles deve ter a sua quota parte de atenção, exceto nos momentos de brincadeira, se são animais que disfrutam adequadamente da companhia uns dos outros.
2 – Se seu cão não anda adequadamente à trela, ou seja, se passa todo o tempo a puxar para um lado e para o outro, cada vez que a sua atenção troca de alvo, está, agora mais que nunca, na hora de o treinar a comportar-se como esperado, passeando calmamente, sem esticões súbitos e imprevisíveis. O ideal seria que os passeios no exterior incluíssem toda a família, mesmo a de quatro patas. Quanto mais o cão obtiver emoções positivas na presença do bebé, mais o aceitará de forma natural e sem dramas. Mas poderá ser muito perigoso tentar conduzir um carrinho de bebé com uma mão e com a outra um cão descontrolado e demasiado energético. Nestas condições a recém mamã evitará os passeios conjuntos e o cão ficará em casa, a ver sair a criança e mais a sua amada tutora, ficando para trás a observar ansiosamente a saída dos dois. Um cão treinado é um cão controlado, que pode ser levado para qualquer lado. Todos têm a lucrar com isso. Quantas mais vezes exercitar o cão ou o gato, tanto física como cognitivamente, na presença da criança, mais forte e estável será o relacionamento entre todos.
3 – Antes da chegada do bebé permita ao animal explorar o quarto de dormir, a área de mudança de fraldas, a área dos banhos e todo o mobiliário e objetos adquiridos para satisfazer as necessidades básicas deste novo membro da família. Nunca deverá vedar o acesso do cão ou o gato às áreas reservadas ao bebé. Estas áreas, por serem novas, têm odores desconhecidos e por isso interessantes para serem explorados. Dê ao animal o direito de se familiarizar com todas estas novidades. Permita-lhe sentir o odor de loções, talcos, cremes e líquidos de lavagem. Se não o fizer, terá um animal a tentar insistentemente entrar na área proibida. E esta insistência poderá ser causa de stresse para a família humana, assim como para o animal, uma vez que lhe é proibido um comportamento exploratório completamente natural. No entanto, deixar explorar, não significa permitir que utilize a cama do bebé ou qualquer outra parte da mobília como dormitório ou zona de estar. Permita-lhe explorar mas só isso. Depois da chegada do bebé não poderá permitir que que este hábito se mantenha. Portanto, logicamente, não o permita antes. Se o cão ou gato possuem brinquedos macios ou sonoros, semelhantes aos do bebé, irá , com certeza, confundir os mesmos e considerará que pode brincar com qualquer dele. Se os brinquedos forem regularmente lavados, não haverá nenhum problema de saúde relacionado com este facto. No entanto, quando o bebé crescer, o cão (mais raramente o gato) poderá retirar o brinquedo da mão da criança e esta poderá ficar ferida. Escolha brinquedos visualmente diferentes para ambos, ou, em alternativa crie a regra que o que estiver no chão é do cão e o que estiver elevado é da criança. Esta regra será para ser cumprida pelos dois. Se o cão estiver treinado e tiver aprendido regras básicas de obediência, será mais fácil o “larga” ou o “dá” e a convivência será, sem duvida mais pacífica.
4 – Quando a mãe estiver na maternidade, depois do nascimento, leve para casa algumas peças de roupa do bebé e espalhe-as, por forma a que o seu odor se misture com os odores familiares. Nunca se esqueça que os animais “vivem no mundo olfativo”. Partindo deste pressuposto, é fácil compreender a importância de o habituar gradualmente a um novo aroma. Assim, quando o bebé chegar a casa, já será identificado como algo familiar e haverá menos curiosidade envolvida, facilitando a adaptação de humanos e animais a uma nova, ruidosa e odoríferas realidade. É também importante que o cão ou gato seja mantido em casa durante o tempo em que a mãe e filho estejam na maternidade. Se estiver fora durante este período, sobretudo em canil ou hotel para cães, voltará, sem dúvida, num maior estado de ansiedade e deparar-se-á com um novo ser, que não reconhece mas que relaciona com o momento de medo e stresse pelo qual acabou de passar.
5 – Quando a mãe regressar a casa deve pedir a alguém que segure o bebé, enquanto dedica uns momentos a cumprimentar o animal. Este sentiu a sua falta e estará ansioso por um pouco de atenção. Afastá-lo, enquanto se concentra no bebé, só causará mais ansiedade. E, em busca de atenção, poderá ser demasiado invasivo e inadvertidamente ferir um dos dois, se o bebé estiver no seu colo. Se for um cão que salta para as pessoas, deverá ser colocado noutra sala, até tudo acalmar. Será então a mãe, sem a criança, a entrar a sala, para calmamente o cumprimentar. Quando este sossegar poderá entrar o bebé , ao colo de alguém e mantido fora do alcance do curioso animal. Este poderá ser controlado pela trela e peitoral. Importante é que a apresentação só seja feita quando todos estejam mais calmos e a situação tenha regressado ao normal.
6 – Quando o pandemónio inicial acalmar, deve então começar a apresentação formal do bebé. Deverá ser a mãe a controlar animal , mantendo-o á trela se houver o risco de ser demasiado invasivo ou de fazer algum movimento brusco em direção á criança. Esta estará ao colo de alguém. Permita ao animal explorar e cheirar, mas se mostrar receio nunca o force a aproximar-se. NUNCA coloque o bebé à frente do nariz do cão. Este poderá sentir-se ameaçado e o medo fará com que possa reagir de forma agressiva. NUNCA coloque o seu bebé em risco, como forma de apressar as coisas. Fale gentilmente enquanto o encoraja a aproximar-se, premiando cada progresso. Se a mãe estiver sozinha, deverá prender o cão a uma parte da mobília e sentar-se numa zona controlada, com o bebé ao colo, permitindo-lhe que explore olfativamente o recém nascido, sem perigo. É importante que o animal possa ser controlado com um comando verbal. Se estiver incontrolável, pare a interação, coloque-o noutra sala. Espere que se acalme e tente de novo. NUNCA o afague quando mostrou agressividade em relação ao bebé, no sentido de lhe mostrar que também gosta muito dele. Terá que compreender que se quer fazer parte desta família alargada, estar presente em todas as situações e continuar a ter a atenção de todos, terá que aceitar este recém chegado. NUNCA corrija um comportamento de forma agressiva, pois inevitavelmente a presença da criança será associada a acontecimentos negativos.
7 – Se o animal for sossegado e controlável, não há motivo para não estar presente em todos os momentos da rotina diária do bebé, a partir da altura em que já se tenha habituado á sua presença e reaja de forma natural aos estímulos relacionados com a existência de recém-chegado. O sentir-se incluído irá fortalecer o relacionamento entre ambos e a criança crescerá mais humana, solidária, consciente dos factos simples da vida e socialmente adaptada.
8 – Em nenhuma circunstância deverá ser permitido ao cão ou gato dormir no quarto do bebé. Use um monitor ou um intercomunicador para vigiar o sono da criança, sem ser preciso manter a porta aberta. Não por recear algum tipo de comportamento predatório ou de agressividade gratuita, mas porque, inadvertidamente pode sufocar o bebé, quando se deita junto da cabeça. A culpa associada a uma tragédia deste tipo seria insuportável para os pais e o animal sairia também ele lesado.
9 – Se o animal mostrar agressividade ou medo na presença da criança, recue uns passos e volte a fazer a reintrodução gradual. O comportamento predatório é a maior causa de agressividade dirigida a crianças pequenas, quando se começam a movimentar pela casa. Também uma má experiência com outras crianças poderá fazer com que generalize e passe a recear qualquer criança. Estas são muitas vezes descoordenadas e sempre imaturas, podendo facilmente magoar o animal, durante uma brincadeira, uma tentativa de deslocação pela casa, ou mesmo uma interação não controlada. Animais idosos, muitas vezes com dores articulares, ou aqueles com alguma doença crónica que origine dor, são os que correm maior risco. Nestes casos deverá aconselhar-se com o veterinário assistente, no sentido de procurar ajuda de um comportamentalista que o ajude a resolver o problema.
10 – As crianças devem ser ensinadas desde cedo a respeitar a condição do animal e a interagir gentilmente. É também muitíssimo importante que aprendam, desde cedo, a interpretar a linguagem corporal do cão e do gato, por forma a compreender aquilo que o animal tenta transmitir. Muitos acidentes ocorrem por erros de interpretação. Qualquer animal evita o conflito, utilizando posturas corporais que pretendem transmitir um aviso. Simplesmente as crianças não compreendem a mensagem e invadem os limites do animal. Este, não tendo conseguido impor os tais limites, vê-se obrigado a utilizar a sua ultima arma: a dentada, no caso do cão ou a dentada/arranhadela, no caso do gato. Assim como ensina ao seu filho a língua materna e se preocupa com a sua educação no geral, deveria dar igual atenção aos ensinamentos da linguagem do cão e gato, recorrendo a imagens e desenhos. As escolas deveriam também incluir estes temas nos seus programas, uma vez que é significativo o número de crianças assistidas nas urgências dos hospitais, devido a agressões efetivadas por animais de companhia, sobretudo o cão. Muitos destes incidentes poderia ser evitados se a vitima tivesse interpretado adequadamente os avisos do agressor.