Em agosto de 1972, Albert Stunkard escrevia na famosa publicação médica JAMA um artigo que chamava pela primeira vez a atenção para o facto de a obesidade e a pobreza se relacionarem de forma contrária ao esperado: em 3344 crianças brancas norte-americanas estudadas, a obesidade era nove vezes mais elevada em meninas de classes sociais desfavorecidas.
Esperava-se que a obesidade fosse mais frequente nas pessoas de classes privilegiadas, com maior capacidade de comprar alimentos e menor gasto de energia no dia-a-dia. Mas o que Stunkard e seus colaboradores observaram foi exatamente o contrário – o que deixou espantado meio mundo, mas que seria confirmado em estudos posteriores.
Nem sempre tinha sido assim. De um modo geral, os pobres sempre tinham sido mais magros e os ricos mais obesos. O que tinha mudado na nossa sociedade neste séc. XX?
Basicamente, com a industrialização da alimentação foi possível introduzir sal, açúcar e gordura na maior parte dos alimentos, melhorando o seu sabor e aumentando o seu tempo de conservação nas prateleiras. Relembro que o sal e o açúcar são dois potentes conservantes ao mesmo tempo que desidratam, retirando água e peso, obstáculos à livre circulação dos alimentos. Esta é uma forma barata de tornar os alimentos mais acessíveis, mais saborosos e mais transportáveis no grande negócio global da alimentação. Um negócio mais poderoso financeiramente que o armamento ou petróleo.
Neste negócio quem saiu a perder foram os produtos frescos, de menor conservação, que permitem menores margens de lucro, que se estragam mais facilmente e que exigem mais recursos para fazer a sua gestão. Estes produtos tornaram-se mais caros, mais difíceis de cozinhar para quem trabalha dez a doze horas por dia, mais difíceis de conservar para quem tem dificuldade em ter um frigorífico ou eletricidade e, acima de tudo, de mais difícil acesso a quem veio viver para as grandes cidades ou periferias. Ou seja, para os pobres deste mundo, sem terra e todos aqueles cuja hora de trabalho é muito mal paga.
Quem trabalha muitas horas tem pouco tempo para preparar e cozinhar, pouco tempo para comprar e, mais importante, pouco dinheiro para comprar fresco e pouco calórico. Para estas pessoas que trabalham todo o dia, sem dinheiro ou tempo para ginásios e vivendo em zonas inseguras, a imobilidade é regra. E comida altamente calórica e barata também.
Olhando para estas premissas é fácil compreender porque a obesidade, a desnutrição e a pobreza andam cada vez mais de mãos dadas.
Em jeito de quase provocação, William Dietz, que acompanhava regularmente diversas crianças norte-americanas obesas que viviam na extrema miséria, publicava em 1995 na conceituada revista científica Pediatrics um trabalho com o título: “Será que a fome causa obesidade?”.
Pois bem, o fenómeno deixou de ser exclusivamente norte-americano e instalou-se na Europa e em Portugal, onde diversos trabalhos científicos (nomeadamente da Direção-Geral da Saúde) estimam existirem hoje mais pessoas com excesso de peso entre as famílias portuguesas mais pobres do que nas de maior rendimento.
Como reverter esta situação? Daria para quase um livro. Mas nesta época festiva, talvez começar por pensar nos alimentos que oferecemos aos mais pobres e na forma como as instituições públicas e ONGs lidam com a ajuda a alimentar às famílias portuguesas mais carenciadas.