O último relatório da OCDE – Health at a Glance (2019) – compara um vasto conjunto de indicadores de saúde entre 36 países. Portugal sai-se muito bem dessa comparação, o que prova que as caraterísticas de universalidade, financiamento maioritariamente público e solidário e prestação pública, são decisivos para apresentarmos um Serviço Publico de Saúde que nos deve orgulhar no concerto das nações mais desenvolvidas.
Na dimensão “Estado de Saúde da População”, os nossos indicadores superam a média da OCDE, na esperança de vida à nascença e nas mortes prematuras que conseguimos evitar (antes dos 70 anos). A nossa longevidade vai já nos 81,5 anos, acima dos 80,7 da média da OCDE, mas também melhor do que na Alemanha, Dinamarca,Reino Unido ou EUA. E nas mortes prematuras estamos com 180 óbitos por 100 mil habitantes, inferior aos 208 da média da OCDE e melhor do que, de novo, os países que acabamos de referir. Estamos mal na prevalência da diabetes, com 9,9% da população adulta afetada, contra 6,4% da média da OCDE. Estamos bastante pior do que o Reino Unido e a Dinamarca, pior do que a Espanha ou a Alemanha e apenas melhor do que os EUA. Os hábitos de vida têm aqui um importante papel, o que determina modelos de prevenção baseados na educação para a saúde que, infelizmente, são difíceis de introduzir no nosso quotidiano. No indicador sobre auto-avaliação do estado de saúde também temos maus resultados, com 15,3% dos nossos concidadãos com mais de 15 anos a dizerem que têm pouca saúde, valor que compara com os 8,7% da média da OCDE ,ou com os 7,6% de Espanha e os 2,6% dos EUA. Note-se, todavia, a fragilidade deste indicador, pois é a própria OCDE que nos diz que pessoas com rendimentos mais baixos têm a tendência para considerar de forma menos positiva o seu estado de saúde. Aliás, o valor apresentado pelos EUA ilustra bem esta associação, pois o sistema de saúde norte-americano é, comprovadamente, um dos mais frágeis e iníquos da OCDE e, no entanto, parece que as pessoas não se queixam.
Na dimensão “fatores de risco”, Portugal apresenta melhores resultados quanto aos hábitos tabágicos, com 16,8% da população adulta a dizer que fuma diariamente, contra 18% da média da OCDE. Estamos melhor que a Dinamarca, Alemanha, Reino Unido e Espanha e um pouco pior que os EUA. Já quanto ao consumo de bebidas alcoólicas estamos ligeiramente pior que a média dos países da OCDE, com 10,7 litros consumidos per capita acima dos 15 anos, contra 8,9. Dos países que vimos referindo apenas a Alemanha consome mais do que nós (10, 9 litros).
Temos um problema grave com a obesidade, com o IMC igual ou acima dos 25, em 67,6% da nossa população acima dos 15 anos. A OCDE apresenta um valor médio bem abaixo (55,6%) e apenas os EUA apresentam um valor superior ao nosso, no conjunto de países que vimos referindo(71,0%). Quanto ao número de mortes atribuíveis à poluição atmosférica, estamos bem no contexto da OCDE, pois apenas temos 28,3 óbitos por cem mil habitantes que comparam com os 39,6 da média desses países,e também inferiores aos valores da Dinamarca, Alemanha e Reino Unido. Importa olhar para este indicador com alguma cautela, pois as causas de morte por poluição atmosférica, podem ser próximas ou remotas e não percebemos bem a metodologia utilizada para definir estas fronteiras. Podemos, por isso, ter cálculos baseados em circunstâncias muito diferentes, o que retirará rigor ao indicador.
No capítulo do “acesso a cuidados de saúde”, estamos teoricamente bem quanto à cobertura, com uma taxa “constitucional”, digamos assim, de 100%, igual à da Alemanha ,Dinamarca e Reino Unido. Nos países da OCDE, esta taxa de cobertura aproxima-se, na média, dos 100%, com os EUA um pouco mais longe com uma taxa de 90,8%.
Já quanto à proteção financeira da população quanto às despesas de saúde, Portugal apresenta uma situação bastante àquem dos países da OCDE, com apenas 66,3% de despesa pública, contra 71,2% daqueles países. Alemanha, Dinamarca e Reino Unido apresentam valores próximos ou acima dos 80% e, como se esperaria, os EUA apenas cobrem por fontes públicas, 50% das despesas de saúde. Este indicador é particularmente relevante para se identificar o nível de equidade dos sistemas de saúde e é bem visível a iniquidade subjacente ao nosso modelo.
Quanto à “qualidade dos cuidados”a OCDE utiliza alguns indicadores que tentam refletir a segurança, a adequação, a efetividade e a “responsiveness” dos sistemas, face às necessidades dos consumidores. Apesar de sermos ainda um país altamente consumidor de antibióticos, a nossa posição no ranking da OCDE é hoje inferior à média daqueles países, com um valor de 16,4 (dose diária) por mil habitantes, contra 17,8. Estamos, todavia, numa posição pior do que a Dinamarca (13,9), Alemanha (12,3) ou Espanha (12,6). O objetivo é reduzir ao estritamente necessário o consumo de antibióticos, pelos efeitos nocivos que o seu consumo indiscriminado tem, na prevenção e tratamento das infeções e também na bolsa dos portugueses.
Estamos francamente bem na efetividade dos cuidados oncológicos. A OCDE socorre-se do indicador referente às taxas de sobrevivência aos 5 anos de doentes com cancro da mama, e Portugal apresenta uma taxa de 87,6%, superior á média da OCDE (84,5) e superior também às apresentadas pela Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e Espanha, mas curiosamente inferior à dos EUA (90,2).Já no que toca à mortalidade verificada até aos 30 dias subsequentes ao Enfarto Agudo do Miocárdio, Portugal apresenta um resultado aceitável (7,3 por 100 mil pessoas) que compara com 6,9 da média da OCDE, e é melhor do que o valor apresentado pela Alemanha (8,5) e está ao nível do Reino Unido (7,0).
Falemos agora dos recursos humanos. O número de médicos que exercem em Portugal é uma incógnita que nos envergonha. A densidade de médicos em Portugal é de 5,0 por mil habitantes, de acordo com os dados que a OM conseguiu disponibilizar. A OCDE afirma que este número estará inflacionado em 30%, já que não há informação sobre quantos são os inscritos na OM que, de facto, exercem, como o fazem, o que fazem e aonde. Nestas circunstâncias, a comparação com os valores que a OCDE apresenta para os outros países é pouco segura, apesar de, mesmo com o desconto apontado, termos mais médicos ativos em Portugal do que o Reino Unido, EUA e Espanha e estarmos na média da OCDE.
Parece claro que temos médicos suficientes, mas a realidade que todos os dias nos invade diz rigorosamente o contrário. O que se passa? A iniciativa, plasmada na nova Lei de Bases, de passar para o Ministério da Saúde a responsabilidade pelo inventário das profissões de saúde, é bem-vinda e urgente. Já quanto aos enfermeiros, a situação é objetivamente inversa, com um claro deficit de pessoal de enfermagem no contexto da OCDE.
Refira-se, a finalizar, que somos dos países mais eficientes no uso global de recursos na saúde: gastamos menos per capita, mas estamos entre os que apresentam melhores resultados na esperança de vida e na mortalidade prematura. Somos por isso uma exceção virtuosa no contexto da OCDE, que aponta para uma forte associação entre mais gastos per capita e melhores resultados na esperança de vida e nas mortes prematuras. Nós gastamos menos e temos melhores resultados.