É inevitável, em véspera de eleições, passarmos em revista as principais propostas dos principais partidos. Entre a direita e a esquerda parlamentar há uma clivagem bem marcada: enquanto a primeira centra a sua atenção no recurso ao setor privado e social para resolver os problemas dos doentes, a segunda aposta essencialmente no reforço do SNS, em novos modelos de organização, novos serviços e mais profissionais.
Mas comecemos por destacar as principais propostas destes cinco partidos:
1. O PSD e o CDS têm ideias em comum no que concerne às insuficiências de resposta do SNS: dar liberdade de escolha aos doentes para ir ao privado/social, quando os tempos de resposta ultrapassam os períodos de espera máximos recomendados, quer alargando o SIGIC (Sistema de Gestão de Inscritos para Cirurgia) às consultas e exames complementares (PSD), quer admitindo, na mesma linha, a primeira consulta de especialidade, e até a segunda, no setor privado ou social (CDS). O PSD propõe ainda a contratação de médicos de família no setor privado ou social, preenchendo assim a falta de médicos da carreira de Medicina Geral e Familiar. O PSD propõe também o alargamento, em 25%, das redes de cuidados continuados e paliativos ao setor privado ou social.
2. Mas a proposta mais disruptiva vem do CDS, ao propor o alargamento da ADSE a todos os portugueses. Esta proposta, aparentemente desconcertante, deve ser entendida, como explica a líder do Partido, como um seguro complementar para todos e não apenas para os funcionários públicos: voluntário, financiado, com a participação proporcional ao rendimento e não ao risco, pelos beneficiários, de livre acesso aos setores privado e social e ilimitado nos benefícios. Esta proposta, levada às últimas consequências, representará o fim do SNS, funcionando esta nova “ADSE” como um seguro alternativo de saúde, em que financiamento e prestação estão fora do Estado e do SNS. Em bom rigor, não se justificaria pagar impostos para a saúde, pois cada um de nós teria um seguro pago diretamente em função dos nossos rendimentos familiares. O SNS poderia ficar como um subsistema residual, destinado aos mais pobres e/ou residentes nas zonas mais desfavorecidas do interior, aonde não existam prestadores privados próximos. Ao contrário do que o CDS diz, a ADSE não é uma espécie de seguro complementar, mas antes alternativo, permitindo aos seus aderentes consumir cuidados de saúde necessários ou supérfluos, básicos ou complexos, em função do forte poder atrativo da oferta, também ela fora de qualquer tipo de controlo. Esta proposta tem todos os condimentos para pulverizar os conceitos de equidade no acesso, prioridade aos mais doentes e custos sustentáveis. É populismo em estado puro!
3. As propostas centradas na melhoria do SNS e que, em dose e intensidade diferentes, restringem a intervenção do setor privado, vêm da esquerda, como atrás se disse.
O BE e o PCP diabolizam os privados e são contra as PPP, sendo que o PCP, mais cauteloso, fala na “eliminação programada das PPP”. O PS promete não criar novas PPP para a gestão clinica, “em estabelecimentos em que ela não exista”. Os três partidos são coincidentes na atribuição de mais autonomia de gestão, exclusividade ou dedicação plena (não sendo inócua tal distinção semântica), incentivos, mais médicos de família e mais orçamento para o SNS.Todos propõem a inclusão de mais valências nos cuidados de saúde primários, mais investimento no INEM e nos cuidados continuados e paliativos.
O PCP propõe a reformulação da rede de serviços de urgência, defendendo uma base territorial por concelho, aonde deveria haver uma urgência básica. Do mesmo modo, propõe uma base concelhia para a gestão dos centros de saúde, com a novidade acrescida de propor a sua autonomia administrativa e financeira. Propõe ainda o alargamento dos horários de funcionamento das consultas e exames nos CSP e nos Hospitais. O PS propõe o alargamento das consultas para os sábados, tendo justamente em vista reduzir os tempos de espera.
Mas é no programa do PS que aparecem as propostas mais inovadoras, como são exemplo:
a) A criação de unidades móveis em territórios de baixa densidade;
b) Um conjunto articulado de propostas para defesa e proteção dos mais velhos e do doente crónico, com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação ao serviço da monitorização à distância das condições de saúde no domicílio;
c) “Pactos de permanência” para os profissionais de saúde, com previsão do desenvolvimento de carreira, formação em serviço, especialização, incentivos e hipótese de dedicação plena.
Três curiosidades finais: dos partidos de esquerda, apenas o PCP se refere explicitamente à ADSE, para dizer, por um lado, que estes subsistemas estão “instrumentalizados pelos grupos monopolistas” e, por outro, que importa preservá-los com o reforço do SNS. Em que ficamos?
É também do PCP que vem a proposta de fazer regressar os Hospitais ao SPA (Setor Público Administrativo) acabando com os Hospitais EPE (Entidades Públicas Empresariais).
A terceira curiosidade prende-se com a ausência total de referências à acumulação de funções públicas com funções privadas. Alguns partidos preferem falar em estímulos à exclusividade ou à dedicação plena, mas nenhum aponta soluções ou meras sugestões para se encarar este assunto com a atenção que ele merece. Os partidos da direita, que tão facilmente propõem a intervenção do setor privado, têm aqui especiais responsabilidades em clarificar princípios de compatibilização e de concorrência.