Nas últimas semanas várias têm sido as denúncias do Sindicato Independente dos Médicos, secundado pela Ordem dos Médicos, sobre a insuficiência de efetivos nas escalas médicas de urgência de vários hospitais. Alguns diretores clínicos e diretores de serviço têm sido, inclusivamente, ameaçados de processos disciplinares. A Ordem dos Enfermeiros tem seguido também este caminho quanto às dotações de enfermeiros.
Na base destes diferendos estão razões conjunturais e razões estruturais. Comecemos pelas primeiras. O período de verão concentra mais pessoal de férias e mais dificuldade em preencher as escalas. Alguns postos ficarão por preencher, dentro de uma margem que não pondo em causa a segurança dos doentes, pode implicar pontualmente uma maior carga de trabalho para os profissionais em serviço e, no limite, a transferência temporária de doentes para instituições próximas. Sempre assim foi e não tem havido problemas de maior, até porque se registam reforços em horas extraordinárias ou pessoal contratado a empresas de trabalho temporário, sempre que se justifica. As decisões de gestão e a avaliação técnica que os responsáveis operacionais fazem das respetivas situações, norteiam-se por regras básicas: manter os serviços a funcionar sempre que possível, com qualidade e segurança e dentro de padrões razoáveis de eficiência e boa gestão de recursos escassos. Os dirigentes assumem as suas responsabilidades perante a tutela política, mas também perante os diversos organismos de avaliação e supervisão, como são a ACSS, as ARS, a IGAS e a ERS.
Mas vamos às questões estruturais. Sabemos que os serviços públicos de saúde têm, em muitas profissões e muitos locais do país, recursos escassos que, curiosamente, abundam nos grandes centros urbanos (a exceção dos anestesistas é peculiar e mereceria uma análise menos superficial e melhor explicada). Seria previsível que o planeamento das férias fosse feito com bastante antecedência, como aliás a lei prevê, e que os respetivos planos acautelassem o normal funcionamento dos serviços. Os períodos de férias em serviços com atividade permanente devem prever um maior desfasamento ao longo do ano, evitando-se concentrações que possam por em causa o seu funcionamento. Não parece que isto se esteja a verificar em todos os hospitais. Por outro lado, há um elevado contingente de médicos que, por razões de idade (mais de 50 anos), podem deixar de fazer urgências, situação que pressupõe a contratação de mais profissionais para assegurar todas as necessidades. Seria o momento de convocar a Ordem e os Sindicatos para alterar esta situação, avançando até cinco anos nas idades-limite e propondo uma redução sensível no número máximo de horas de trabalho em continuidade, reduzindo das 24h para períodos de 8h, e até menos para médicos mais velhos. Este esforço de aproximação entre governo e representantes dos médicos, seria do interesse público e visto com simpatia e apreço pela população. Precisamos de protagonistas dialogantes e construtivos, que ponham o interesse de todos acima dos seus próprios interesses.
Mas temos uma questão estrutural que vem sendo o nó górdio do nosso SNS: a anormal frequência dos serviços de urgência, com cerca de 70% dos casos reconhecidos como não urgentes ou destinados aos cuidados de saúde primários. A mobilização de recursos humanos que esta procura representa, torna os serviços pouco produtivos, com equipas em permanência ou em prevenção, excessivas para a dimensão da atividade programada de cada instituição. Esta situação merecia uma análise criteriosa sobre o ritmo e o tipo de procura, tendo em conta uma adaptação mais racional dos recursos humanos às escalas de urgência e uma melhor articulação com as chamadas urgências internas (de apoio permanente aos doentes internados). É uma área em que o desperdício de recursos parece evidente.
Antecipação,planeamento,diálogo, mudança e,sobretudo,sentido de serviço público, são palavras-chave na solução desta crónica guerra das escalas médicas no Verão. A rigidez de posições, nalguns casos parecendo apostar no quanto pior melhor, não contribuem para soluções em benefício dos cidadãos e na defesa do SNS.