Quem, na passada sexta-feira à noite, fosse a caminho do Sul pela A2 neste fim de semana prolongado, daria por si no meio de 20 minutos de fila de trânsito parado junto a Aljustrel. Acidente grave? Obras na via? Algo muito grave aconteceu com certeza, pensaram os condutores que, como eu, se viram naquele caos. A razão de tal transtorno era uma operação da GNR: um corte integral da circulação a caminho do Algarve. Com a autoestrada cortada, os veículos eram obrigados a desviarem-se para dentro da estação de serviço, onde alguns eram parados pelas autoridades. Num dia destes tem de ser uma operação complexa e urgente, pensei eu, crente no princípio de proporcionalidade que as forças de segurança devem empregar. Só que não. Não se tratava de uma busca por tráfico de droga ou outros bens ilícitos, tão-pouco suspeitas de rapto ou qualquer aflição de segurança pública. Questionados sobre o que se estava ali a passar, quatro agentes da GNR olharam para mim com altivez autoritária e explicaram que era tão-só um mero “controlo de velocidade”. Está certo: quando, nos países desenvolvidos, a preocupação em dias de grande afluência de trânsito é de descongestionar a todo o custo, por cá opta-se por cortar autoestradas e agravar ainda mais as coisas para sacar umas multas extra.
Esta pequena história não é mais do que um sintoma de uma doença maior. Há um Portugal prepotente, um País de pequenos poderes e autoridades sentadas atrás das suas secretárias burocráticas, que transtornam deliberadamente a vida aos cidadãos sem razão atendível. Estão nas polícias, nas finanças, nos hospitais, nos serviços públicos locais e centrais, escudados em catadupas de leis, regulamentos e portarias, e empregam todo um excesso de zelo e, por vezes, mesmo abuso de autoridade perante um sistema permissivo e pouco escrutinado. O resultado todos conhecemos: complicam a vida dos cidadãos em vez de a facilitarem, emperram os processos ao invés de os agilizarem.
Ainda há poucas semanas passaram quase despercebidas duas pequenas notícias exemplificativas. No final de maio, a GNR e a Autoridade Tributária promoveram uma ação conjunta de fiscalização de condutores para cobrar dívidas fiscais, no Porto. Os condutores com dívidas às Finanças eram intercetados e convidados a pagar. Se não pagassem no momento, os carros poderiam ser penhorados. Depois de conhecida a ação manifestamente abusiva, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ordenou o seu cancelamento.
Dias depois, veio a público uma megaoperação de inspeção ao negócio dos casamentos e dos festivais nos meses de verão. Na mira do Fisco estariam as empresas de catering e de animação, os espaços, fotógrafos e floristas, e, no âmbito dos festivais, as bilheteiras, os contratos e pagamentos aos artistas em cerca de 100 grandes eventos. A operação acabou por ser também cancelada, por ordem do Ministério das Finanças. “A fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais não pode ser feita de forma desproporcional, devendo evitar comportamentos intrusivos”, ressalvou o gabinete de Mário Centeno.
No seu discurso do 10 de Junho, Marcelo Rebelo de Sousa passou uma mensagem crítica: “Não podemos nem devemos esquecer ou minimizar insatisfações, cansaços, indignações, impaciências, corrupções, falências da Justiça, exigências constantes de maior seriedade ou ética na vida pública.” Os grandes casos da Justiça e aqueles que fazem parangonas nos jornais têm todos os olhos em cima. Mas importa não descurar as pequenas histórias – aquelas que são o nosso dia a dia e perante as quais nos habituámos a encolher os ombros.