Sabe qual é o país com as emissões de gases com efeito de estufa per capita mais baixas do mundo? Não, não é a Noruega, nem a Dinamarca, nem a Suécia. É o Burundi.
E sabe qual é o segundo país mais pobre do mundo? O Burundi – que, por acaso ou não, é também o mais infeliz do planeta, segundo o Relatório de Felicidade Mundial, das Nações Unidas. Aparentemente, comida na mesa é mais importante para os burundeses do que a glória de terem uma pegada ecológica mais pequena do que os outros. Quem diria.
O Canadá, o país de que toda a gente gosta, com aquele primeiro-ministro progressista, moderno, fotogénico, amigo do ambiente como nenhum outro? É o 11º com mais emissões por habitante (e o 21º mais rico), à frente dos habituais maus da fita, os EUA, na 14º posição.
Portugal? Está benzinho, ligeiramente abaixo da média mundial. Afinal, somos os campeões da energia renovável: mais de 50% da nossa eletricidade é produzida por fontes limpas. Somos, claro, ambientalmente mais responsáveis do que Marrocos, aqui ao lado, que continua a depender quase exclusivamente de carvão para produzir eletricidade. Mas então porque é que os portugueses emitem, em média, quase o triplo dos marroquinos? Voltemos ao PIB per capita: Portugal em 42º, Marrocos em 113º. Carros por mil habitantes? Portugal tem 566, Marrocos tem 103 – cinco vezes menos.
Podemos, portugueses e europeus, apresentar-nos como os líderes do combate às alterações climáticas. Mas se todos fossem tão ricos como nós o planeta estava condenado. Podemos banir as palhinhas, os talheres de plástico e os cotonetes, se isso nos fizer sentir bem, desde que não percamos de vista os objetivos que realmente interessam para os oceanos, como programas de incentivo para que os pescadores parem de deitar lixo ao mar (mais de metade da “ilha de plástico” do Pacífico é material de pesca abandonado). Podemos todos comprar veículos elétricos, mas um carro elétrico em Portugal poluirá sempre mais do que uma bicicleta no Vietname.
Então o que fazer? Comprar produtos locais? Não, não é assim tão simples. Um estudo britânico demonstrou que a pegada ecológica do borrego importado da Nova Zelândia é mais pequena do que a do borrego produzido em Inglaterra – ou seja, o custo ambiental de produção (gasto de água, alimentação) na Nova Zelândia é de tal forma baixo que mesmo com o transporte para o outro lado da Terra continua a ser a melhor opção.
Usar sacos de pano em vez de plástico? Não. Outro estudo, este dinamarquês, calcula que um saco de algodão tem de ser usado 7100 vezes para compensar, comparando com um saco de plástico descartável, para compensar as diferenças nos custos ambientais de produção.
Optar por produtos biológicos? Não. Voltemos ao estudo do saco: se um saco de algodão convencional tem de ser usado 7100 vezes, um de algodão biológico só compensa ao fim de 20 mil utilizações. O problema com a agricultura biológica é que os relativamente baixos níveis de produção obrigam a uma maior utilização de recursos: é necessária, por exemplo, mais terra arável para produzir a mesma quantidade, o que implicará ocupar áreas de floresta. Não usa (em princípio…) pesticidas sintéticos, mas usa pesticidas “naturais”, que podem ser tão tóxicos como os outros.
Trocar o leite pelo “leite” de amêndoa, para não ajudar uma indústria poluente? Pois então saiba que para produzir um litro de sumo de amêndoa são precisos mais de seis mil litros de água.
Só há uma forma de causarmos um impacto mínimo no planeta: sermos pobres como os dos países mais pobres. Os pobres não viajam – e o turismo é responsável por 8% dos gases com efeito de estufa. Os pobres não têm água canalizada – nas aldeias de Moçambique usa-se a água com parcimónia porque as pessoas (normalmente, as mulheres) têm de caminhar durante horas, todos os dias, para ir buscar uma simples vasilha de água. Os pobres não têm carro – e mesmo um carro elétrico é uma fonte de poluição. Os pobres lavam loiça e roupa à mão – e até a máquina mais eficiente do mundo empalidece de vergonha face a um velho tanque. Nos países pobres, nada se perde, tudo se transforma: do lixo, as crianças pobres fazem brinquedos; as ricas compram brinquedos fabricados no outro lado do mundo.
Os pobres, sobretudo, têm casas pequenas. Há uns anos, a VISÃO fez um inquérito a várias pessoas para calcular as suas pegadas ecológicas. Um deles, Francisco Van Zeller, então presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, ligou-nos, zangado com o resultado. Não percebia por que razão tinha uma pegada tão grande, quando no seu dia a dia se esforçava tanto por ter comportamentos ecológicos. Concluímos que o que fazia maior diferença na pegada era a área da casa. Entre outros fatores, uma casa implica uma enorme quantidade de materiais para ser construída e de energia para ser mantida. Podemos ser impolutos, vegetarianos, ir de bicicleta para o trabalho, mas uma casa grande é o suficiente para anular os efeitos positivos desses comportamentos.
Podemos, e devemos, esforçar-nos diariamente por minimizar o nosso impacto no ambiente. Tomemos banhos mais curtos, mesmo sabendo que 75% da água em Portugal é gasta na agricultura – mal não faz. Deixemos de usar palhinhas, mesmo que as palhinhas representem menos de 0,03% do plástico que acaba nos oceanos – mal não faz. Tornemo-nos vegetarianos, ainda que se todo o planeta fosse vegetariano a redução de emissões se ficasse pelos 2% – mal não faz.
Mas não tenhamos ilusões. Todos estes e outros pequenos passos, juntos, não fazem mais do que uma pequena diferença. Nunca serão suficientes para resolver a crise das alterações climáticas, ou do plástico nos mares, ou da falta de água, ou da perda de biodiversidade. Substituir o consumo, trocando produtos maus por outros um pouco menos maus, não vai salvar o planeta. Vai apenas servir para dormirmos melhor. E se há coisa em comum entre as pessoas que mudaram a História é que nenhuma dormiu de consciência tranquila enquanto não fez verdadeiramente a diferença.
O que está a arruinar o planeta é termos dinheiro para gastar. Não se resolve o problema consumindo de forma mais consciente. Resolve-se consumindo muito, muito, muito menos. Resolve-se mudando drasticamente o modelo económico e social. Resolve-se abdicando do conforto e do bem-estar. Resolve-se dando vários passos atrás na qualidade de vida. Resolve-se tendo o nível de pobreza do Burundi.
Está disposto a fazer esse sacrifício?