O artigo 13º da Constituição consagra o princípio da igualdade. O seu nº 2 concretiza a proibição de discriminação com base nas categorias historicamente discriminadas, como o sexo, a orientação sexual ou a “raça”. Há, evidentemente, outras discriminações possíveis, mas o legislador constituinte enumerou os fatores de discriminação identificados na sociedade, com peso histórico inegável, e conferiu-lhes uma proteção especial. A lei fundamental espelha, portanto, a certeza de que a discriminação racial está identificada na sociedade.
É por isso que foi aprovada em 2017 a lei de combate à discriminação, é por isso que existe a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial e é por isso que existe um mecanismo de apresentação de queixas de racismo e xenofobia que, só este ano, contabilizou mais de duzentas.
Está em curso, neste momento, no Parlamento, um caderno de trabalhos com vista à elaboração de um relatório sobre o racismo e a xenofobia em Portugal.
Em 2018, o Parlamento, por unanimidade, consagrou o Dia Nacional para a Eliminação da Discriminação Racial.
Isto deveria bastar para ser bizarra a afirmação de um Portugal pós-colonial de brandos costumes livre de racismo. Pelo menos, por parte de agentes políticos que polarizam um debate fundamental em função do voto útil a partir de um caso devidamente incendiado pelo trumpismo nacional.
Seria bom centrarmo-nos na constatação de que certas periferias urbanas são a demonstração da existência de um racismo estrutural não solucionado. A pobreza e a exclusão étnica andam de mãos dadas e do alto do nosso privilégio branco não vemos as “favelas” portuguesas. Os défices sociais evidentes nestes espaços geram problemas criminais? Sim, mas os números revelam que a maioria desta população é pacífica, trabalha como qualquer outra, tem expectativas tantas vezes não correspondidas pela parca presença do Estado. Tem sido pouco salientado o caráter extraordinariamente pacífico das comunidades racializadas que vivem em apartheid social.
Em segundo lugar, e consequentemente, existe discriminação racial em diversas áreas sociais: na Saúde, no acesso ao mercado de trabalho, na Justiça, e também nas forças de segurança. Todas estas funções do Estado devem ser escrutinadas e há estudos e números suficientes para fazermos o nosso trabalho. A polícia tem a especificidade de ter o monopólio da força, pelo que o racismo policial, quando ocorre, é muito mais evidente do que o racismo exercido no silêncio de um serviço de saúde ou mesmo na redação de uma sentença judicial.
Identificar os problemas – e há relatórios internacionais suficientes sobre racismo nas forças de segurança, por exemplo – é a base da busca coletiva de um caminho integrado, difícil, para que um dia negros e negras não sejam “os outros”.
Escolher o caminho da caça ao voto com a bandeira securitária, com adesão ao ódio dos ativistas antirracistas ou não inscrever decisivamente o debate na agenda política é criminoso. A luta é sempre a da não conformação com o país que se tem, mas pelo país que queremos ter.