Foi com a barriga encostada às areias da praia da Conceição, na ilha de Fernando de Noronha, que o senti mexer pela primeira vez. Parecia um pequeno peixinho dentro do aquário que se tornou a minha barriga. Leves cócegas, quase impercetíveis, que o peso do meu corpo contra a areia quente fez sentir de forma concreta. Era mesmo verdade.
Nessa altura ainda não sabia que era ele. E tendo sempre achado que um dia, quando chegasse o momento, seria ela primeiro, umas semanas depois, os palpites alheios desenganaram-se e afinal era mesmo ele. No meio de uma mancha leitosa de píxeis sobre uma massa cinzenta em movimento, apareceu cabeçudo, a fazer do meu útero trampolim e a esticar-se todo para a fotografia.
E eu, que sempre quis fazer da minha barriga aquário mas tinha adiado indefinidamente, fui absorvendo a ideia devagar, à medida que o corpo mudava e ao dar a notícia aos mais próximos, estranhamente nervosa. Verbalizar torna tudo mais concreto. Uma barriga só não chega. É preciso afirmá-la para acreditar que é mesmo a sério.
Primeiro, eram só dois tracinhos azuis num pedaço de plástico, após um concerto do Chico Buarque. Depois, era um borrão piscante no ecrã do ecógrafo vintage da Doutora Ana. Depois, foi a espera pelos exames de rotina e pelas doze semanas em que não se conta a ninguém. E depois desse processo contido, quando finalmente se pode bradar ao mundo, é no sorriso desmesurado dos futuros avós e nos gritos histéricos das amigas, que a coisa se torna real e a felicidade tem espaço para crescer (com a barriga).
Depois as perguntas… Enjoaste? Não. Tens sono? Mais no primeiro trimestre. Como é que conseguiram guardar segredo por tanto tempo? Queríamos ter a certeza de que estava tudo bem. É menino ou menina? Quando nasce? E os concertos? Então no Rock in Rio já estavas grávida? E em Paris? Sim… E ainda toquei no Brasil, em Barcelona e na Galiza, em Lisboa com o Sérgio Godinho, no Coliseu do Porto com os Xutos, fui ao México dar um último concerto, participei no Governo Sombra, e todas essas coisas com a barriga em riste. E sim, foi tudo com cuidado e autorização médica.
E o álbum novo? Foi todo gravado com barrigão e sairá depois da licença de maternidade que darei a mim mesma. E agora, já estás em repouso? Sim, e a fazer aulas de preparação e a arrumar gavetas e a tentar perceber, neste novo e infinito mercado que se abre, o que é preciso mesmo comprar, ou pedir emprestado. E o parto? Tens medo? Onde será? O pai vai assistir?
De facto, isto de estar grávida implica responder a muitas perguntas. Sendo que as respostas acabam por repetir-se invariavelmente. Como a de que não tenho medo do parto, e que a posterior privação do sono, ou a quantidade de tralha que se acrescenta à vida, me parecem bem mais ameaçadoras do que as contrações.
Já para não falar do debate em redor dos nomes, que implica sempre palpites, especulações sobre o que é ou não estímulo a eventual futuro bullying, e alguma desilusão quando não temos uma resposta definitiva. Se eu soubesse responderia sempre “João” e acabava a conversa por ali! Mas para uma Ana e um Pedro dos anos oitenta, ter um nome tão neutro faz lembrar a chamada da professora, em que, ao quinto colega com o mesmo nome, não havia outra solução senão começar a numerar.
Acho que isto de ter filhos é mesmo uma coisa coletiva, que tem fama de muito íntima. Já que, apesar de ser uma experiência pessoal e intransmissível e de ainda estar confinada aos limites do meu corpo, toda uma aldeia se excita e mobiliza para acompanhar e participar, antecipando o trabalho comunitário que é fazer crescer alguém ao longo da vida.
De resto, a azia, as dores nas costas, uma barriga que mexe sozinha como no filme do Alien, e uma espécie de luto feliz, em que nos despedimos de nós, como fomos até aqui, para preparar o que seremos daqui para a frente.
É tempo de parar e de parir. (Até daqui a uns meses amigos leitores!).