Se o objetivo era chamar a atenção para a crise gravíssima que a comunicação social atravessa, o Presidente da República fez uma intervenção plena de oportunidade. Não será segredo para ninguém que o setor atravessa, de facto, uma crise estrutural. E também é já um lugar-comum sublinhar a ligação inquebrantável entre a existência de jornalismo livre e independente e o regular funcionamento de uma democracia substantiva. Se é certo que podemos conceber a ideia de, mesmo sem jornalismo, exercer o nosso direito de voto, a verdade é que todos percebemos que um voto desinformado só na aparência é um voto livre. Porque só verdadeiramente escolhe quem tem pleno conhecimento das ideias e das alternativas em confronto. Uma democracia sem jornalismo não passaria pois de uma caricatura formalista e grotesca que haveria de envergonhar os pais fundadores do sonho demoliberal do século XVIII.
Mas se aplaudo a oportunidade e a clareza do diagnóstico, confesso que tenho as maiores reservas em relação à terapia apontada. E tenho-as por duas ordens de razões diferentes.
A primeira é óbvia. O apoio direto do Estado encarregar-se-ia de matar precisamente aquilo que seria suposto proteger: a independência dos órgãos de comunicação social. É evidente que apoios indiretos seriam menos perniciosos, é evidente que se podem tentar imaginar autoridades e instâncias regulatórias, mas o essencial da questão não se altera. O jornalismo não deve almejar ser um quarto poder, mas só tem real valor como contrapoder. Sendo óbvio que ninguém verdadeiramente questionaria, muito menos sindicaria, um poder político investido do poder supremo de decidir sobre a sobrevivência ou sobre a morte do setor.
Coisa diferente é o Estado retirar obstáculos, eliminar burocracias desnecessárias e sobretudo retirar-se da luta pela disputa do bolo publicitário. E não se trata de fragilizar o serviço público ou de lhe retirar meios. Até porque o serviço público é provavelmente hoje mais necessário do que alguma vez terá sido. Trata-se de financiar o operador público com dinheiros exclusivamente públicos, trata-se de não lhe dar incentivos errados e sobretudo de não o forçar a competir pelos já exíguos recursos privados.
A segunda objeção está relacionada com a forma como a questão é formulada. A pergunta não deveria ser: como salvar os jornais ou as empresas de comunicação social? A pergunta a que urge responder é: como garantir o futuro do jornalismo? A diferença não é irrelevante. Por um lado porque nem tudo o que a comunicação social faz é necessariamente um bem público. São inteiramente legítimas as opções empresariais por modelos de informação mais “ligeiros”, mais sensacionalistas e até ignorantes. Não se pode é invocar que é da sua morte que adviriam problemas para a democracia. Mas a questão fundamental nem é essa.
A questão fundamental é que a crise da comunicação social é uma crise (e uma oportunidade) de transformação de modelos de negócio. Não há, muito pelo contrário, falta de um papel para a produção de informação credível, para a edição inteligente, para o jornalismo profissional. Se há coisa que o advento das fake news veio demonstrar foi aliás isso mesmo. O apoio, necessário, não deve ser pois um apoio ao statu quo. O objetivo não pode ser o de parar o vento com as mãos. Muito pelo contrário. É preciso garantir que os incentivos a dar são potenciadores de uma mudança que não pode e não deve ser travada. A última coisa que deve procurar-se é prejudicar a inovação para ligar à máquina modelos que são do passado.
(Artigo publicado na VISÃO 1344, de 6 de dezembro de 2918)