Na Rua Diogo Botelho, no Porto, fica a Universidade Católica Portuguesa – Polo da Foz. Fica a 600 metros da casa dos meus pais. Foi lá que eu fiz a faculdade. É uma rua grande, vai da Praça do Império até à interceção com a Rua das Condominhas, a partir daí o nome muda para Rua do Campo Alegre. Esta rua mudou um bocado desde a altura em que eu andava na faculdade (1996-2001). Eu ia a pé de casa dos meus pais até à Católica, nem dez minutos. Metia por um quelho de paralelepípedos e arcos romanos onde ficam umas quintas do séc. XIX e logo à chegada à Diogo Botelho havia um quintal grande, o quintal do Sr. Almeida, onde cresciam produtos hortícolas que o Sr. Almeida vendia pela Foz afora, porta a porta, numa atrelagem puxada por um cavalo, o Santarém. Em frente ao prédio dos meus pais ficam as torres da Pasteleira, que tem uns pequenos relvados daqueles que ornamentam o sopé dos prédios, pequenos oásis serpenteados pelo alcatrão das ruas. A maior parte das vezes o Santarém estava por lá a pastar. O Santarém morreu, foi rendido por novo equídeo, o Castelo, que morreu no ano passado. Mas o pessoal da Foz juntou-se e comprou um cavalo novo ao Sr. Almeida. Por entre o barulho dos escapes dos Opel Tigra que metem para a Católica ainda se ouve o tamborilar dos cascos do cavalo conduzido pelo Sr. Almeida. Todos os dias. Normal, aqui na Rua Diogo Botelho isso é normal. As cebolas ainda crescem no pequeno terreno ensanduichado entre a bomba da Galp e o parque de estacionamento da Católica, como a Flor do Drummond: “Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.” Era assim nos poucos metros que vão da casa dos meus pais até à Católica, ainda hoje é assim: uma urbanização moderna, com garagens, videoporteiro, nenhum café, dali a 20 metros um quelho de paralelos com portões de quintas e uma fonte, dali a 50 metros uma Galp (na altura era BP), outro tanto e o quintal do Sr. Almeida, um cavalo a pastar, cebolas a teimar, logo a seguir os Opel Tigra da Católica, adolescentes bem vestidos, a vida por um canudo. Esta Galp (antes BP, antes ainda Mobil) é onde as pessoas conhecidas vão meter gasolina. Aqui na Foz existe isso, as “pessoas conhecidas”. Imagino que seja assim por esse globo terrestre afora, isso das “pessoas conhecidas”. É um termo que não carece de explicação, julgo. É um ponto de socialização, antes da noite era lá que se bebia cerveja em lata, no tempo em que as latas de Super Bock eram brancas. No tempo em que era BP. Mais abaixo, em direção ao Porto, outra BP, a menos de um quilómetro. A mesma cadeia petrolífera, a mesma rua: outro planeta. Aí já era provável que um incauto cidadão oriundo do seio das pessoas conhecidas arriscasse a sua carteira. Era a BP de baixo. Ainda existe, não tenho a certeza se ainda é BP, mas sei que se algum conhecido, à saída do supermercado do El Corte Inglés (o mais caro, mais luxuoso do Porto, onde os conhecidos se abastecem de presunto pata negra), se lembra de ir meter gasolina à BP que lhe é vizinha (supermercado e bomba partilham a mesma rampa de acesso), com certeza não se esquecerá de acautelar carteira e presunto. Mas isso em princípio não acontece. Cada macaco na sua BP. Nesta rua é onde morava o homem mais rico de Portugal. A Rua Diogo Botelho trespassa a urbanização onde morava o Belmiro de Azevedo e um bairro de lata (na altura), o da Pasteleira… O Ipanema novo (deve ter mais de trinta anos mas ainda é o novo), de 5 estrelas, fica do outro lado da rua do cruzamento do Aleixo, onde nem a polícia entra. E tudo isto na mesma rua, a minha rua. É uma rua grande, discreta, sem charme, normal. Quem lá passa não vê nada disto, se calhar as pessoas nem olham, não reparam. Acho que nem no Sr. Almeida. Acho que nem o Sr. Almeida.
(Crónica publicada na VISÃO 1341 de15 de novembro)