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“A vitória tem mil pais, mas a derrota é órfã”
J F Kennedy
O relatório “Infeção VIH e SIDA – desafios e estratégias 2018” apresentado na passada quinta-feira tem originado diversas intervenções públicas. É neste contexto que entendo também me dever pronunciar.
Em primeiro lugar, os dados epidemiológicos apresentados relativamente a 2017 são, como nos anos anteriores, provisórios, estando sujeitos a correção ao longo do corrente ano. Não é novidade, é o que acontece desde há muitos anos, fruto do atraso de notificação da informação ao INSA. Qualquer reflexão sobre esta informação pode ser, portanto, precipitada.
Mais importantes são os considerandos efetuados (nomeadamente pelas entidades oficiais da saúde), sobre a evolução da situação epidemiológica em Portugal, relativamente às metas 90-90-90, definidas para a infeção por VIH.
Para quem está menos familiarizado com este tema, convém reforçar o significado e importância desta estratégia, definida pela OMS e ONUSIDA, em 2014, tendo em vista atingir o fim da epidemia por VIH em 2030. Para alcançar esse objetivo é crucial atingir, em 2020, as metas de 90-90-90: 90% das pessoas diagnosticadas; destas, 90% em tratamento e, destas, 90% com carga vírica indetetável. Agora sim, as reflexões:
1. Os dados apresentados referem-se ao ano de 2016. Como é evidente, não refletem (nem podiam) qualquer intervenção ou influência da atual equipa ministerial que tomou posse a 26/11/2015.
2. Esses dados, agora tornados públicos, são positivos e encorajadores, surgem na continuação dos dados já existentes, referentes a 2014, ano em que Portugal, aliás, já tinha atingido o primeiro 90, relativo a 90% das pessoas diagnosticadas (dados apresentados publicamente em 2016).
3. Relativamente a 2014, a melhoria dos dados apresentados respeitantes ao primeiro e segundo “90” está condicionada pela reanálise dos óbitos verificados em pessoas com VIH, cuja evolução se desconhecia. Medida correta (assumida já em 2017) mesmo que, pessoalmente, discorde da metodologia utilizada. Assim, a melhoria verificada, em relação a 2014, pode não traduzir uma real melhoria da situação epidemiológica mas, apenas, uma melhor análise da informação atualmente existente.
4. Contudo, em relação ao segundo “90”, 90% das pessoas diagnosticadas em tratamento, existe um fator adicional que justifica a melhoria desta meta. Em setembro de 2015 (sim, 2015), Portugal tornou-se o quarto país europeu a adotar a estratégia de “tratar todas as pessoas infetadas”, independentemente da sua situação clínica/imunológica. A aplicação desta decisão contribuiu decisivamente, não tenho dúvidas, para a melhoria do segundo “90” e, como seria de esperar, apenas teve verdadeiro impacto no ano seguinte (2016), ano a que reporta este relatório.
5. Quando se ouve referir ser o dia da apresentação um “dia histórico” na luta contra a infeção por VIH, embora a afirmação possa ser interessante como título de artigo ou notícia de abertura de um jornal noticioso, comete-se um erro de avaliação e outro de perigosa sobrevalorização:
a) Dias históricos foram, por exemplo, os dias em que Portugal descriminalizou a utilização de drogas, em que o programa de troca de seringas foi implementado, em que se preconizou que as mulheres grávidas deveriam efetuar sistematicamente o despiste da infeção por VIH. Histórica foi a assunção do envolvimento e financiamento das organizações de base comunitária para implementação de projetos de prevenção e diagnóstico da infeção por VIH. Dias históricos foram os dias em que se começou a implementar a realização do teste para o VIH pelo menos uma vez na vida e em que se decidiu que todas as pessoas infetadas deveriam iniciar, de imediato, o tratamento da infeção.
b) Histórico, não foi o dia 5 de julho de 2018, em que se apresentaram os resultados reportados à situação verificada em Portugal dois anos antes. Até porque, afinal, ainda não atingimos as metas “90-90-90”…
6. Finalmente, um agradecimento ao atual titular da pasta da saúde pelo reconhecimento, embora tardio, da qualidade do trabalho efetuado até 2016 (aliás, em circunstâncias bem mais difíceis das atuais) quando refere que Portugal possui um “sistema de saúde que responde com políticas de saúde adequadas e cujos resultados estão à vista e são reconhecidos”. Porque, na verdade, é apenas o resultado das políticas de saúde até então assumidas que hoje está à vista e é reconhecido.
PS: Pessoalmente, bem gostaria que em 2016 todas as metas “90” já tivessem sido atingidas. Mas, tal como afirmei em 2016, continuo a acreditar que até 2020 iremos consegui-lo. Nunca esquecendo que elas valem, antes de mais, como um ponto intermédio obrigatório para 2030