Uma semana depois do Dia Mundial da Água, continua a chover. O ministro do Ambiente diz que passou no Alentejo e as charcas estão cheias. Mais ninguém disse nada. A oposição há dois meses estava preocupada com a seca, mas deve ter rezado que chegue e porventura acha que funcionou. Está afinal tudo bem.
Eu, só porque sou o colunista pessimista residente, tendo a achar que não preciso hoje de chover no molhado.
Seguramente que as normas e os fundos da União Europeia nos fizeram dar um salto de gigante na mudança do século, mas há mais de uma década que nada, mesmo nada nos tem feito progredir para garantir um futuro sustentável neste tema tão central à nossa vida.
A excessiva litoralização do País faz com que a água seja consumida em enormes quantidades numa estreita faixa entre Setúbal e Braga, e que seja nessa faixa que se produzem enormes quantidades de águas residuais urbanas, o que obriga muitas vezes a fazer a captação da água para consumo humano no Interior com custos significativos associados ao armazenamento e transporte.
O contraponto natural desta litoralização é a falta de dimensão de alguns sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento, situados no Interior do País, onde a pouca densidade populacional torna muito caro o tratamento e a distribuição de água.
Mas na santa conveniência dos políticos deixámos de falar de internalização dos custos da água e vamos mantendo, enquanto podemos, preços “políticos” que não refletem os reais custos do transporte, armazenamento e tratamento da água.
É com preços desses que há incentivo para a poupança ou gestão do recurso? Com raríssimas exceções, os circuitos de distribuição de água não distinguem entre os diversos usos: a água de melhor qualidade é usada para beber mas também como água sanitária ou para rega de jardins e lavagem de ruas, e raríssimas são ainda as situações em que há separação entre o sistema de drenagem de águas residuais urbanas e o sistema de águas pluviais, com a consequência de qualquer situação de chuva abundante esgotar a capacidade de drenagem da rede e de tratamento de águas residuais.
Passamos a vida a perorar sobre os efeitos das alterações climáticas, mas o que fazemos em matéria de água para mitigar efeitos e nos adaptarmos ao que aí vem?
É preciso reduzir os consumos de água de forma sustentada e não apenas em resposta a situações de emergência; é preciso aumentar a capacidade de armazenamento das barragens e albufeiras, usando as energias renováveis para bombear a água das barragens que funcionam a fio de água; é preciso criar uma rede comunicante entre grandes e médias albufeiras; é preciso dragar as albufeiras que acumularam, durante décadas, milhões de toneladas de sedimentos que sem as barragens teriam sido depositados no litoral.
E há que regressar à educação ambiental dos mais novos. E no que respeita ao consumo de água vivemos com um despreocupado novo riquismo, como se o poupar água fosse uma memória de quando éramos um País menos desenvolvido e mais pobre. Poupar água não é “coisa de pobre”, é criar condições para que a próxima geração possa viver pelo menos de forma tão confortável quanto a nossa.
A ausência de chuva faz-nos perceber que a excessiva intervenção humana no ciclo da água tem um preço que dificilmente poderemos pagar. O excesso de chuva e a sua concentração em intervalos de tempo limitados mostram-nos quão frágeis são as infraestruturas construídas para fazerem frente à desregulação desse ciclo.
Poucos temas terão mais importância para a nossa vida, mas parece que a evaporação é a fase do ciclo que mais caracteriza a agenda politica.
(Artigo publicado na VISÃO 1308, de 26 de março)