Talvez não tenha reparado, mas o que paradoxalmente se discutiu este ano no umbigo da globalização, foram os limites ou (em português) os shortcomings da dita. Não reparou mesmo? Vamos então por partes.
Por muito que alguma esquerda não goste da ideia, a verdade – mensurável – é que o processo de globalização, a progressiva integração das várias economias mundiais, produziu, ao longo dos últimos 30 anos, e em termos agregados, um aumento significativo de riqueza e de prosperidade.
Por muito que alguns liberais não gostem de reconhecê-lo, o mesmíssimo processo não distribuiu a riqueza criada de forma minimamente equitativa. E repare que não falo de igualdade que – por ser fundamentalmente incompatível com a liberdade – é um objetivo social que a História já demonstrou não ser saudável perseguir. Falo em equidade. Falo num padrão de distribuição da riqueza criada que não seja o observado pela Oxfam num relatório divulgado na semana passada: 80% da riqueza criada em 2017 terá sido “capturada” por 1% da população mundial.
Postas as coisas assim, é mais fácil perceber o que de fundamental se discutiu em Davos. No essencial estiveram em confronto duas teses profundamente contraditórias para endereçar este problema.
A primeira, mais simples, mais primária, mas talvez por isso mesmo mais tranquilizante e mais apelativa, traduz-se, se reduzida à sua expressão mais nuclear, numa única ideia: é possível travar e até fazer reverter o processo de globalização. É a tese defendida por Donald Trump e está aliás bem resumida na sua ideia da America First.
Sendo apelativa, é uma tese com dois problemas. O primeiro é que a proposta é ilusória. Já lá vai o tempo em que meia dúzia de ativistas de esquerda (que neste ponto não são muito diferentes de Trump) fazia danças da chuva durante os encontros do G20 tentando travar este vento com as mãos. Mas o problema fundamental é outro. É que o Presidente americano atira ao alvo errado. O que se quer travar não é a criação de riqueza, mas a iníqua distribuição da riqueza criada. Sendo que seria obviamente a criação de riqueza que se atacaria se Trump convencesse o mundo a embarcar na sua fantasia isolacionista.
A segunda tese, defendida pelo
Presidente francês, tem a vantagem evidente de se atirar ao verdadeiro problema (o que não deixa de ser um bom principio metodológico). Macron recusa a via fácil e as promessas
imediatistas.
Reconhece que o comércio livre é gerador de riqueza, mas reconhece igualmente e sem quaisquer complexos que sem uma maior partilha dos benefícios da globalização, sem uma compatibilização entre objetivos e económicos e ambientais, todo o processo se tornará insustentável.
A tese tem uma vantagem evidente e uma desvantagem séria. A vantagem é de ser a correta. A desvantagem é a de ser muito mais difícil de articular em termos políticos e de traduzir em propostas concretas.
Em Davos, mais coisa menos coisa, só se passou isto.
(Crónica publicada na VISÃO 1300 de 1 de fevereiro)