O País frágil é o desafio maior que temos que enfrentar em 2018. E, para respondermos ao desafio do país frágil, temos que interrogar os critérios do país de sucesso.
Nos balanços de 2017, o mote foi o da coexistência entre o Portugal do sucesso e o Portugal frágil. Como se houvesse dois países em Portugal, o do sucesso das finanças e o da fragilidade social, que se exprimem ora na perspetiva de que 2017 foi um ano saboroso, ora na de que 2017 foi um ano desgraçado.
Mas um diagnóstico rigoroso e objetivo da realidade social de Portugal não pode ficar refém do deslumbramento de uns ou da sisudez de outros. A sociedade portuguesa é uma, não são duas. E nessa sociedade única, é aquilo a que chamamos sucesso que provoca o país frágil. Foi assim em 2017 e assim será em 2018. Daí o desafio.
O sucesso são os números do défice e é o reconhecimento pelo Eurogrupo. A fragilidade é o Estado ausente que potencia o abandono do interior, é a falta de resposta próxima e competente na saúde, na educação ou na justiça, é a vida imprevisível do precário. Ora, o que é patente é que os números do défice se fizeram de Estado a menos no território para poupar, de escolas e tribunais encerrados para poupar, de urgências longínquas e de guardas florestais a zeros para poupar, de correios que não distribuem cartas a pobres e distribuem dividendos a ricos, tudo e sempre para poupar. O que é patente é que o reconhecimento (?) pelo Eurogrupo se deveu à não alteração dos compromissos que sangram a economia do país em mais de 7000 milhões de euros só para pagamento dos juros da dívida, que o Governo não discute para não aborrecer o Eurogrupo. Os critérios do que foi clamado como um grande sucesso, que nos devia encher de orgulho e que terá dado ao país um grande prestígio internacional foram precisamente os que determinaram a persistência e até o agravamento da nossa fragilidade social profunda. E as anunciadas reformas na UE para 2018 só criarão mais constrangimentos ao país frágil.
Claro que houve em 2017 outro sucesso que não esse: foi o de dar continuidade a uma recuperação de rendimentos e de direitos dos de baixo. No salário mínimo, nas pensões, na progressividade fiscal ou no descongelamento das carreiras fez-se coesão social acrescida. Mas a limitação dessa recuperação é uma das imposições feita pelos critérios do sucesso dos números do défice e alimenta, por isso, a fragilidade social. Somos um país de baixos rendimentos do trabalho, de diminutos direitos da grande maioria das pessoas e de serviços públicos muito limitadamente apetrechados para compensar essa condição. A manutenção desta realidade é o preço que temos pago pelo sucesso no valor do défice e nas boas graças do Eurogrupo.
Se a coesão territorial e social for mesmo o desígnio maior da atual solução governativa, então 2018 tem que ser um ano concentrado no combate sistemático àquilo de que se faz a nossa fragilidade. Nisso se decide a continuação do alinhamento do povo com a atual solução de Governo. O desafio que está lançado à governação é pois o de assumir como prioridade o sucesso da coesão territorial e do equilíbrio social e não o sucesso do brilhozinho nos olhos de Bruxelas. Isso significa fazer as reformas estruturais – sim, ‘reformas estruturais’ não tem que rimar com cortes de direitos e de rendimento dos de baixo – que deem força aos que têm vidas precárias e aos que estão abandonados e a quem o Estado falha.
Não reverter a situação de vampirização dos
CTT, persistir na entrega aos privados de hospitais e outros elementos do Serviço Nacional de Saúde, não fazer nada para que a contratação coletiva recupere centralidade nas relações de trabalho, continuar a fugir da reestruturação da dívida como o diabo foge da cruz será objetivamente sacrificar o estreitíssimo caminho de sucesso social dos últimos dois anos no altar do sucesso financeiro que agrada a quem manda.
Em 2018, será nisto que se jogará o aprofundamento ou o esvaziamento da solução política que dá suporte ao governo do País.
(Artigo publicado na VISÃO 1295, de 28 de dezembro de 2017)