Apesar de nada fazer lembrar meias de lã e chávenas de chá fumegante num agosto seco como este, “winter is coming” e eu ando completamente embrenhada na sétima temporada do Game of Thrones. Depois de meses de ansiedade, esperando o regresso da saga, os novos episódios não têm desiludido e, todas as semanas, o culto cresce. Já é a série de televisão mais vista, premiada e pirateada de sempre e estamos num momento da trama, em que a narrativa acelera vertiginosamente e chega a doer o corpo, a cada final abrupto, mesmo na hora agá. É como heroína. Heroína-audiovisual. E, de facto, heroínas é coisa que não falta no enredo.
Essa é, aliás, uma das coisas que mais gosto no GoT. A quantidade de personagens femininas, com muito protagonismo e a sua grande diversidade. Mérito total de George R. R. Martin, autor dos livros A Song of Ice and Fire (em que se baseia a série), que criou personagens interessantes, complexas e incrivelmente humanas, sem relegar as mulheres para o segundo plano da ação, como coadjuvantes ou elementos decorativos, como é habitual acontecer.
Todos os anos o centro de pesquisa da Universidade de San Diego atualiza os dados, e todos os anos é claro que a presença de personagens femininas em cinema e televisão ronda os 40% (tendo até baixado ligeiramente na última década). E se pensarmos que personagens femininas de grande protagonismo, retratadas pelas suas qualidades de liderança, destreza, inteligência e força são ainda mais raras, depressa constatamos que o GoT é uma série histórica, também por ser exceção a essa regra.
Especialmente nesta última temporada, que começou com personagens femininas nas lideranças de todos os reinos e fações… Daenerys Targaryen recém-chegada a Westeros para conquistar o trono, apoiada por Yara Greyjoy (brava marinheira e meritória rainha das Ilhas de Ferro), Ellaria Sand (matriarca do sul e mãe de três filhas guerreiras) e Olena Tyrell (a avó mais badass dos sete reinos, até na hora da morte, como entenderão os meus companheiros de GoT). Contra Cersei, a mais malévola das rainhas, com sua inteligência estratégica, o seu humor negro e um copo de vinho por companhia. Sansa como Senhora do Norte, provando que já não é uma menina frívola e que consegue governar o seu feudo sem pedir licença a ninguém. Arya e Brienne, como exemplos máximos da destreza com a espada e da superação do estigma de maria-rapaz. Bem como muitas outras personagens secundárias como Lyanna Mormont (que se recusa a ficar em casa como uma “senhora” e promete treinar todas as suas meninas e mulheres para a guerra), ou Meera Reed (a fiel protetora de Bran Stark), que vão povoando a narrativa de referências femininas de grande poder.
Os próprios diálogos são ricos em momentos de grande feminismo, como quando Sansa diz, de forma pragmática, que não está à espera de proteção, ou quando Daenerys, num emocionante discurso, faz questão de dizer a Jon Snow que depois de tantos homens tentarem matá-la, depois de ter sido exilada, vendida, violentada e traída, o que a manteve forte foi
a fé, não nos deuses, nos mitos ou nas lendas, mas nela própria!
É refrescante, sobretudo porque estamos a falar de personagens cheias de defeitos (como as pessoas reais), de variadíssimas idades, feias e bonitas, dentro e fora do padrão tradicional de feminino e muitas com um evidente ímpeto sexual (como Yara Greyjoy ou Ellaria Sand, que nesta temporada chegam até a beijar-se).
(Como em tudo na vida) claro que há muita gente que não concorda com esta perspectiva e acha que o grau de violência da série é especialmente brutal contra as mulheres. Que a série é violenta, não dá para negar. O mundo também o é, sobretudo com as mulheres. Mas pelo menos no GoT a princesa não está à espera de ser salva. É ela que se autointitula de rainha e, melhor ainda, é ela que manda nos dragões.