O verão é a época do ano em que tudo parece melhor. O dia tarda em acabar e, quando eventualmente escurece, a noite promete-se morna e cheia de possibilidades. O momento em que percebi que, fosse eu brasileira, o meu aniversário seria em pleno verão, foi uma revelação. Cogitei imediatamente infinitas versões estivais de festas de aniversário que não vivi, mas poderia ter vivido. Piqueniques no parque com bolo de aniversário, fins de tarde na praia com gelado de aniversário, campismo com massa de atum de aniversário. Tudo teria sido diferente no hemisfério sul dos aniversários.
Nasci no dia da aliteração. O universo conspirou para que assim fosse. Deve ter pensado “esta mocinha tem cara de quem gosta de jogos de palavras, brincadeiras fonéticas e aliterações”. Toma lá: de-za-no-ve-de-de-zem-bro. No nome calhou-me um palíndromo, que eu traduzi para capicua (expressão mais amigável, dado que pouca gente da minha geração sabe o que é um palíndromo e capicua, além de soar melhor, vem do catalão “cap i cua”, que quer dizer “cabeça e cauda” como a pescada de rabo na boca).
Sou um animal de hábitos (mais concretamente, o cão, dado o grau de fidelidade). Gosto de ir aos mesmos restaurantes de sempre, comer os pratos de sempre. Costumo comprar dois pares de tudo o que gosto muito (sapatos, peças de roupa, objetos). Peço os mesmos sabores de sorvete, nas mesmas geladarias. Faço férias na mesma ilha, ano após ano. Sou monogâmica. E não tenho a capacidade de me desapaixonar.
Sou pessoa de sono fácil, adormeço em carros, comboios, aviões quase imediatamente e, de tanto fazer Porto-Lisboa-Porto, desenvolvi um mecanismo de sobrevivência que me faz adormecer em Espinho e só acordar em Vila Franca de Xira. Ao contrário da maioria, quando tenho um problema, vou para a cama e adormeço com facilidade. Não só para ver se passa, como as avestruzes, mas sobretudo para recarregar o otimismo (quase irritante) com que olho para o mundo.
Em momentos de crise, ativo o meu mecanismo clássico: meia hora de “tiro, porrada e bomba” (à moda de Valesca Popozuda), com a voz de Artur Albarran ao ouvido a dizer “o drama, o horror, a tragédia”, e depois de três ou quatro palavrões, começo a pensar nas várias soluções possíveis e visto a camisola do copo-meio-cheio. A partir desse momento, vou de balde e trincha em riste, pintando tudo de cor-de-rosa novamente, e ai de quem questione o meu plano mirabolante para salvar a situação.
Detesto o ceticismo prosaico e agoirento dos realistas. Xô!
Também não gosto que me façam perguntas de manhã e de acordar só com uma meia. Vou para a cama com duas meias e acordo sempre sem uma. O que, para quem tem um despertar lento e difícil, chateia especialmente. Imaginem uma toupeira sonolenta à procura de uma peúga perdida num monelho de lençóis ardilosos. Sou eu. Depois levanto-me descabelada, só com uma meia calçada (normalmente desisto antes de encontrar a outra) e vou recuperando lentamente a capacidade de falar português, com muito mau feitio e duas torradas. (Aliás, só concordo em sair da cama porque existe comida no mundo, caso contrário seria como Linda Envangelista nos anos 90).
Outra coisa que detesto é viajar ao domingo à noite. E acho até que só aprendi a tolerar domingos porque os transformei em dia-de-comer-pizza. Nasci num domingo e o parto não foi fácil (talvez por isso). Na adolescência tinha sempre bons motivos para uma choradeira de domingo, como se existisse uma TPM dominical, que me punha de nervos e hormonas em franja. Mas não ir embora ao domingo, e ficar para comer pizza e ver um filme, tornou-se uma das melhores coisas da vida. Sobretudo, depois de muitos anos de despedidas em Campanhã, no meio dos que apanham sempre o mesmo comboio de volta à rotina, e passam o serão de domingo com umas sandes de fiambre, num pouca-terra nostálgico, a tentar encontrar o sono algures entre Espinho e Vila Franca de Xira.
Opinião publicada na VISÃO 1274 de 3 de agosto