Finalmente conseguimos casa. Depois de seis meses de busca extenuante, assinámos o contrato. Uma casa em Lisboa, em boas condições, por um preço aceitável e, sobretudo, cujo proprietário nos escolhesse como arrendatários. Um achado! (E mesmo estando feliz com esta vitória suada, estou muito preocupada com tudo isto).
É que mesmo com muitos anos de experiência como inquilina, em Barcelona, no Porto e em Lisboa (onde vivo metade do tempo), em casas partilhadas e casas-só-para-mim, nada me tinha preparado para isto.
Ninguém me tinha dito que um dia, a minha geração, além do desemprego, da precariedade, da falta de perspetivas de futuro e da iminente necessidade de emigrar, teria de ultrapassar também um gravíssimo problema de acesso à habitação. Poucas casas, na maioria em mau estado, com rendas superinflacionadas pela pressão do mercado de arrendamento de curta duração. Num momento em que as nossas cidades se afirmam como destinos turísticos e o preço do metro quadrado sobe vertiginosamente, e em que comprar não é grande opção para quem não tem emprego estável e, portanto, tem poucas hipóteses de conseguir crédito.
Neste momento, encontrar casa em Lisboa, implica (no mínimo) 650€ mensais e muita perseverança. A cada pequeno-almoço, habituamo- -nos à pesquisa nos portais imobiliários online. Quando aparece alguma casa com mais de quarenta metros quadrados e uma renda dentro dos limites do bom senso, há que ligar imediatamente e aguardar pela marcação de visita (duas horas pode ser tarde demais). No dia combinado, há que esperar na fila, entre as dezenas de outros desesperados que nos farão concorrência.
Se o apartamento agradar, começa o contrarrelógio. Há que ser o primeiro a enviar email com a última declaração de IRS (do próprio e do fiador), os três últimos recibos de vencimento (do próprio e do fiador), cópia do cartão de cidadão (do próprio e do fiador) e uma bela carta de apresentação, para dizer quem se é, e porque rol de boas razões sua majestade o proprietário lhe deveria conceder a honra de arrendar o seu maravilhoso palácio de duas assoalhadas, com chão de tijoleira e caixilharia de alumínio, num quarto andar sem elevador na Penha de França.
Outra estratégia possível, é contactar associações de proprietários e instituições religiosas ou mutualistas que tenham prédios em Lisboa, para saber se existem casas livres. Havendo alguma coisa disponível, as rendas costumam ser mais amigáveis, o problema é que o processo de seleção é igualmente exigente e costuma demorar várias semanas, senão meses…
Em qualquer um dos casos e dado o desespero que se vive neste momento, muita gente tem optado por fazer propostas de reabilitação de apartamentos com obras às suas expensas, para poder negociar, arrendando por uma renda mais baixa durante alguns anos. Mas mesmo que se esteja disposto a investir milhares de euros em obras, num apartamento que não é seu, só para conseguir uma renda aceitável, o processo de seleção de propostas é igualmente renhido e demorado.
Há que pedir orçamentos, listar ao detalhe as melhorias que se pretende realizar no imóvel e propor um valor para o aluguer, esperando que a concorrência não faça subir a parada, como num leilão.
Enfim. Para ter casa é preciso não ser pobre, ou melhor, é preciso ser desafogado. Ter estabilidade. Não ter animais domésticos. Ser apresentável. Saber escrever boas cartas de apresentação. Ser paciente. Ou ser turista!
A cidade expulsa-nos. Empurra-nos para bem longe, à medida que as casas passam a Alojamento Local e os prédios a Hostels. Foi o que aconteceu com o prédio onde vivíamos. Todos os outros apartamentos já funcionam em regime de “airbnb”. O nosso era o último, mas vai entrar em obras. Ontem assinámos o contrato de arrendamento. Temos casa nova. Uma casa em Lisboa, em boas condições, por um preço aceitável e cujo proprietário nos escolheu como arrendatários. Foi um achado.
(Crónica publicada na VISÃO 1260, de 27 de abril de 2017)