Se há coisa que aprendi ao longo da minha vida profissional, e relativamente à qual tento ser consequente, é a ideia de que uma não decisão é quase sempre a pior de todas as decisões. Porque uma não decisão é, normalmente, ditada por uma cedência ao facilitismo, à cobardia, à convicção pueril de que o tempo acaba sempre por resolver tudo.
A Europa (perdoem-me se regresso recorrentemente ao tema) entrou no ano de todas as decisões. No primeiro ano do resto da sua vida. Neste contexto, e à primeira vista, o Livro Branco do sr. Juncker parece ser um contributo positivo na medida em que coloca, claramente, o futuro da União no centro da agenda política europeia. Mas se o objetivo é decidir, e o objetivo não pode já ser outro, o contributo de Juncker fica muito aquém do que seria desejável. Desde logo porque o Livro Branco não é um livro, é um menu de opções. Um catálogo. Não aponta caminhos, enuncia possibilidades. Não revela convicções, expõe concessões. Pior, entre as opções que enumera, inclui a mais recorrente e a mais deprimente das não opções europeias: a ideia, paradoxal, da Europa a várias velocidades. Que, para agravar as coisas, parece ser a preferida (surprise, surprise) dos líderes das grandes economias da União que se reuniram em Versalhes e que vão acabar por formatar a declaração de 25 de março e o processo decisório até final do ano. É, será, se querem um prognóstico, a chamada vitória do nim. E o nim, como todas as meias tintas e as meias decisões, deixará que a realidade se nos imponha. A Europa continuará manca, será cada vez mais um ineficiente Frankenstein institucional, perderá identidade, peso e coesão. E a realidade que, ao contrário das lideranças europeias, não hesita em decidir, arrisca-se a varrer a Europa da história.
Não escondo que sempre fui adepto de mais união política. Mas o ponto não é o que desejo. Prefiro ver as minhas ideias derrotadas depois de um debate sério conducente a uma decisão firme, do que vê-las deixadas no cemitério das opções nunca tomadas. O que me parece é que é chegado o momento de deixar de discutir o sexo dos anjos e inverter a pergunta. É chegado o momento de reconhecer que os vários países da União só têm duas opções sérias para tomar: ficar ou sair de um projeto de União que (como o nome indica) terá de ser isso mesmo. União. Económica, monetária, orçamental, política. Tudo o mais é para inglês ver e os ingleses já nem sequer estão cá para ver.
Não me entendam mal. Parece-me inteiramente legítimo que se opte pelo isolamento, que se deseje regressar à Europa das soberanias intactas, aos nacionalismos. O que não me parece aceitável é que quem quer escolher esse caminho não opte por ser consequente (desse ponto de vista os britânicos tiveram pelo menos o condão de o ser) e escolha paralisar o caminho de todos quantos têm ainda a lucidez de perceber que só uma Europa coesa e uma União aprofundada pode resistir ao furacão da globalização, do envelhecimento, da demografia, da revolução digital, do potencial afastamento dos EUA. E ser consequente é, há que dizê-lo sem rodeios, ir à sua vida. Não é transformar o sonho Europeu da União na pequenez imensa do nim.
A hora tem que ser de rutura. E a rutura tem de vir dos quatro de Versalhes sem os quais não pode, realisticamente, haver Europa. Infelizmente a sua inclinação para a solução “pragmática” (uma forma sofisticada de dizer cobarde) não deixa antever nada de bom.
(Artigo publicado na VISÃo 1254 de 16 de março 2017)