O meu fascínio pelo céu é tão antigo como eu. Sobre mim sempre diferente um mistério constante e de todas as cores. Olhá-lo é saber-me na Terra, a rodar com ela, sozinhas e ínfimas no vasto universo. A atracção pelas estrelas cresceu comigo e quanto maior o interesse pelo espaço, maior a devoção pelo nosso planeta e pela maravilhosa oportunidade de vida tornada realidade aqui.
Infelizmente não a temos sabido honrar. É bem possível que a nossa espécie enfrente ainda este século o desafio da sobrevivência, assim o indica a corrida que estamos a fazer em direcção à catástrofe ambiental global. Por entre as muitas ideias e soluções, adicionou-se à discussão pública a colonização de Marte como plano B. Acreditando que nos contam tudo quando dizem que é porque teremos de escapar da Terra que se
desenvolve este projecto, não é difícil pensar que tamanho investimento seria mais bem aplicado em estratégias e mecanismos para evitar essa necessidade, o que serviria toda a humanidade e todos os seres vivos do planeta.
Já o plano de colonização de Marte, que é um plano de fuga, a acontecer, beneficiará apenas os poucos que o puderem pagar, deixando a maioria dos humanos entregue à sua sorte. Não deixa de ser irónico e esclarecedor que, no fim, os donos das grandes
empresas que têm lutado contra a transição para energias renováveis porque lhes reduziria os lucros ou destruiria os negócios, as mesmas que estão por trás do movimento que nega o aquecimento global e que patrocinam campanhas de desinformação, as tais que têm bloqueado e atrasado a mudança para modelos de sustentabilidade energética, serão aqueles que, chegando lá, poderão, sem dúvida, comprar um futuro para si e para os seus noutro planeta, deixando para trás a Terra e a maioria dos seus habitantes na convulsão ambiental que provocaram, para que contribuíram e que deliberadamente não
quiseram travar.
Apoiar este plano elitista de escape, cujas motivações não conhecemos por completo, não faz sentido. A nossa prioridade, como espécie, deveria ser sanar a Terra, que é a nossa casa, e restaurar o que destruímos no curto período de tempo em que isso ainda é possível. Crer que a solução é ir para outro planeta, inóspito, e esperar que, com a nossa acção, ele possa talvez vir a assemelhar-se com este, quando o nosso historial é o de uma espécie que destrói ecossistemas e planetas, não o inverso, é incompreensível.
Escolhamos, antes de tudo o mais e com urgência, esta Terra que nos deu a todos à luz e que tanto temos esquecido de proteger e respeitar, até porque escolhê-la é escolhermo-nos a nós próprios.
E talvez depois de garantir esse futuro comum possamos então
dedicar-nos a descobrir como estar noutros planetas, já não como fugitivos da casa que destruímos, mas como espécie merecedora de pisar outros solos uma vez que entendemos o respeito a ter pelo solo.