Primeiro era inconcebível. Nunca chegaria a candidato. (Todos duvidaram). Depois, impossível! Nunca seria eleito Presidente. (Todos escarneceram). Finalmente, e mesmo perante as evidências, não poderia ser assim tão grave. Enquanto Presidente nunca manteria a sua agenda, a sua atitude e o seu discurso irresponsável. (Todos normalizaram).
Não sei se foi optimismo (a beirar a inconsciência), num clássico exercício, tão humano quanto ingénuo, de confundir esperança com probabilidade, ou se simplesmente o subestimámos. Certo é que tem havido muita resistência em aceitar a realidade. Em chamar os bois pelos nomes. Em dizer alto e bom som: estamos f*d*d*s!
Peço ao leitor que me perdoe o portuense, mas não havia eufemismo à altura da ocasião. E nem vale a pena ensaiarmos aquele blá blá blá de que a democracia americana é suficientemente madura e blindada para ser à prova de líderes, porque as instituições são o que as pessoas queiram fazer delas.
Até porque, como têm demonstrado os últimos episódios, mesmo que as mais absurdas ordens executivas corram o risco de perda irreversível, em labirintos jurídico-administrativos, a verdade é que as palavras proferidas têm consequências e que, depois de aberta a caixa de Pandora, já não é possível fazer rewind: crises diplomáticas, quebra de acordos internacionais, pânico instalado, crispação social e política. (Poderíamos resumir assim as primeiras semanas de governação Trump).
Por outro lado, há sinais de que, a resistência em aceitar a realidade, tem vindo a ser ultrapassada pela Resistência (com erre grande). E de que a esperança (de que Trump nunca será assim tão Trump, ou de que a democracia americana nunca deixará de ser a Democracia Americana), deixe de estar ancorada nessa ingenuidade passiva, para passar finalmente a estar investida na ação.
É que, apesar de tudo, o optimismo (essencial à sobrevivência) tem saído reforçado das ruas…
Primeiro, com a Marcha das Mulheres, que transbordou pelo mundo, para demonstrar que a oposição à misoginia será firme e que, pelos direitos das mulheres e das comunidades LGBT, haverá luta. O que, aliás, já começou a comprovar-se, com a criação de um fundo internacional de compensação, após o decreto presidencial que suspende o financiamento de organizações internacionais, que prestam apoio à interrupção voluntária da gravidez. Uma resposta rápida que demonstra que, quando meia dúzia de homens de fato tentam governar os nossos úteros de um gabinete na Casa Branca, a resposta só pode ser a Resistência.
E depois, com as manifestações nos aeroportos e tribunais, para exigir a libertação dos cidadãos detidos, após o decreto que proíbe a entrada de muçulmanos, de vários países, nos EUA. Uma demonstração de que a xenofobia de Trump não se transformará em política efetiva sem Resistência, e que essa Resistência não se fará apenas nas ruas. Pois, quer no plano internacional, quer na esfera local, muitos são os braços que se abrem, quando Trump promete erguer os muros.
Como demonstram as declarações do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que se prontificou a acolher todos os refugiados rejeitados pela governação de Trump. Ou as declarações dos mayors de Nova Iorque, São Francisco e Los Angeles, que se dispuseram a proteger os imigrantes ilegais da deportação, fazendo dos seus territórios cidades “santuário” e recusando-se a colaborar com os serviços de controlo à imigração.
Percebemos, em poucos dias, que Trump é mesmo Trump e que a democracia americana promete resistir, não porque a Casa Branca é inabalável, mas porque a democracia se faz nas ruas. Tanto na América, como no mundo. Percebemos também, que não é só a democracia americana que é importante para o mundo, mas que o mundo será muito importante para reforçar a Resistência nas ruas da América. E que, depois das mulheres terem mostrado como se faz, não é hora de baixar os braços!
(Artigo publicado na VISÃO 1248, de 2 de fevereiro de 2017)