Nos últimos tempos, o termo populismo ganhou protagonismo na esfera pública, em resultado do desfecho do referendo do Brexit, da vitória de Trump e dos receios sobre o resultado das presidenciais francesas de abril deste ano. De acordo com o politólogo Cas Mudde, o populismo é uma ideologia que define a sociedade como sendo composta por dois grupos homogéneos e antagónicos, a população (pura) e a elite (corrupta), e defende a soberania popular, não sendo antidemocrática mas antiliberal, e podendo ser tanto de esquerda como de direita. O populismo completo está presente quanto os políticos assumem uma postura simultaneamente antielitista e exclusivista, considerando que o povo está a ser esmagado tanto por cima (pela elite) como por baixo (por uma subclasse parasitária, frequentemente de origem étnica distinta).
Embora decorra essencialmente de predisposições de segmentos da população não diretamente imputáveis aos média, a afirmação deste fenómeno tem beneficiado do contributo dos produtos mediáticos informativos e de entretenimento. Tal contributo tem três grandes linhas-mestras, que discuto em seguida.
Em primeiro lugar, as vozes populistas são atraentes para os média dominados pela lógica de captar e manter audiências. Há um grande interesse dos jornais e noticiários, mas também dos programas de sátira política, pelas ações e declarações (frequentemente inusitadas) dos populistas: são políticos “que morderam o cão”; merecem, por isso, cobertura. Por sua vez, a crítica dos populistas por parte de alguns média pode ter efeitos contraproducentes e validar a velha máxima de que não existe má publicidade, especialmente quando a confiança nos média é baixa e estes são vistos como ligados ao establishment político. Isto faz com que os populistas tenham muita visibilidade mediática sem grande necessidade de investir recursos. Por exemplo, algumas análises apontam para que Trump tenha beneficiado do equivalente a 5 mil milhões de dólares em publicidade devido ao interesse dos média pelas suas declarações e gaffes.
Em segundo lugar, o facto de muitos exemplos de ficção e sátira política (House of Cards, Yes Minister, The Daily Show), tais como um estilo jornalístico marcado pelo recurso sistemático ao enquadramento da política como um jogo, contribuírem para o cinismo em relação aos políticos mainstream, reforçando os níveis de desconfiança e desinteresse pelos partidos políticos tradicionais e, consequentemente, ativando junto da opinião pública o desejo e a aceitação de formas alternativas de fazer e comunicar política.
Em terceiro lugar, o enfoque em temáticas caras à agenda dos partidos populistas, assuntos que são “de propriedade” desses partidos (imigração, criminalidade, escândalos políticos). Veja-se, por exemplo, o caso dos programas de infotainment das tardes de domingo durante a campanha eleitoral de 2008 em Itália, centrados em temas que sublinhavam o mau funcionamento dos serviços estatais e a distância entre a elite política e os cidadãos, facto que, de acordo com o académico Marco Mazzoni, terá contribuído para a vitória de Berlusconi, um paradigmático líder populista.
O que fazer então? Parece que, para os média, não há uma saída clara: se cobrem os partidos populistas (mesmo que de forma negativa) e os seus temas, estão a fomentar a visibilidade das suas ideias e, muito indiretamente, a contribuir para a sua aceitação por parte de alguns setores da população, quebrando a espiral do silêncio que levava muitas ideias politicamente incorretas a estarem ausentes do debate na esfera pública. Se decidem não fazê-lo, estão a violar o ideal de pluralismo que norteia, ou deveria nortear, o serviço público que prestam à população. Contudo, mais do que apontar o dedo aos programas de entretenimento e aos jornalistas, o que se deve fazer é, acima de tudo, combater as causas das atitudes políticas dos cidadãos que criam terreno fértil para o populismo e que são, mais do que criadas, meramente ativadas ou reforçadas pelos média