Quando Alexis Tsipras ganhou eleições e António Costa ainda pensava que era capaz do mesmo ocorreu-lhe a epifania – recordam-se? –: a vitória do Syriza era “um sinal que dá força para seguir o mesmo caminho”.
Por uma vez, acertou em cheio. Na antecâmara do novo Orçamento, o PS é pouco mais que o Syriza depois de vergado pela realidade.
O PS que prometeu sacudir a austeridade e abanar a Europa, conduz hoje um Governo que só luta pelo cumprimento do Pacto de Estabilidade.
Para o Governo hoje não há – ironicamente – vida para lá do défice e o único objectivo anunciado, o sucesso desejado, só acontecerá na sequência uma brutal compressão da despesa e do investimento público feita por quem clamava que precisávamos exatamente do contrário. É a austeridade pela cativação.
A economia, como o INE atesta, estagnou. Por completo. O crescimento será, com sorte, menos de metade do previsto no fim do ano. O investimento não para de acompanhar a confiança dos assisados e o discurso das reversões. Desapareceu. E o consumo que nos tinham prometido que ia alegrar isto tudo, é a tristeza que se vê. Em disparo só mesmo a dívida pública.
A Costa e ao PS resta pois como promessa, como esperança, o cumprimento das metas do Tratado que os seus parceiros diziam querer rasgar.
O PS não tem a vida fácil que se vê, apesar de todos os dias nos afundarmos mais um pouco, só pela falta de oposição. Também o Bloco, que gosta muito de dizer que já nada tem a ver com o novo Syriza, na prática para lá caminha a passos largos.
Pode ser que ainda haja no Bloco quem acredite como José Manuel Pureza lembrou, para arreliar Catarina Martins, que “o cumprimento das regras europeias acabará por colidir com o acordo das esquerdas”. E já agora fora do Bloco, o simplório que vos escreve também sempre achou o mesmo.
Mas chegou a altura de não subestimar a capacidade com que o dr. Costa transforma a sua vontade na realidade que o rodeia. Entre quem manda no Bloco e quem passa agora pelo PS a sintonia é total, de um pragmatismo que há muito se basta do mando e conveniência.
A lengalenga vai perdendo pudor à medida da necessidade, mas o teatro do OE para 2017 diz tudo. Costa na sua imensa descontração anuncia – depois de terem piorado todos, mesmo todos, os indicadores económicos – que este é o Orçamento que vai “aprofundar a recuperação”.
Os parceiros da geringonça, como os adolescentes que gritam no café para impressionar as garotas, têm como única e partilhada pretensão aumentar as pensões para o ano. Mais nada. É a isto que se resume a “devolução de rendimentos” estribada numa ladainha de pretensa luta de classes que parece que os satisfaz e até ilude os zelotas do costume.
O PC ainda disfarça mesmo se mal, mas o Bloco já garantiu que aprova qualquer coisa desde que a farsa continue.
Como parar a administração e o investimento público não chega, também com os impostos vale tudo: tributar sol e vistas porque aí moram os “ricos”, acabar com as isenções dos deficientes no imposto automóvel “porque essa gente anda em carros de luxo” ou incumprir as obrigações do Estado transferindo obrigações para os “malandros dos senhorios” numa retórica venezuelana que os incautos e os tolos amplificam nas redes sociais enquanto a maioria desespera perante o avolumar da inevitabilidade.
2017 será o ano de todos os perigos. O Orçamento para o próximo ano limitar-se-á a parametrizar as condições de concretização dos perigos. Entre um Costa sorridente e um ministro das Finanças desaparecido, os portugueses e a economia não têm futuro porque quase todos se recusam a aprender com os erros do passado.