O golpe em direto a que assistimos no Brasil por parte de uma extrema-direita composta por gente indiciada ou acusada por vários crimes é de uma enorme violência. Há poucos anos, não imaginaríamos ouvir como fundamentação do Impeachment de uma Presidente democraticamente eleita e livre de qualquer acusação, a xenofobia, o racismo, o fundamentalismo religioso ou o repúdio das minorias. Foi essa a fundamentação que saiu da boca de cada deputado que gritava sim ao Impeachment, ainda que usando as palavras que quisesse, atirando um regime inteiro para Deus, para a família e saudando torturadores da ditadura brasileira.
Foi assim que nasceu a ditadura no Brasil: invocando a corrupção como pretexto. É o que está a acontecer agora por parte de uma elite inconformada com o fim da ditadura e que regressa debaixo da mesa do constrangimento para, com um golpe, resgatar o poder não democrático e rasgar o contrato social arduamente conquistado no país onde nasci. Este golpe não é, por isso, apenas contra a democracia formal, mas sobretudo contra a democracia material: o objetivo é voltar ao Brasil elitista em confronto direto com os negros, com as mulheres, com os trabalhadores, com a comunidade LGBTI, com as conquistas sociais dos últimos anos. Já há cartazes que dizem “não olhe para a crise, trabalhe”, o mesmo é dizer: “o trabalho liberta”. É importante olhar os factos e é fundamental ouvir a linguagem oral e a pior de todas: a muda.
Estamos, nestes dias, perante um governo ilegítimo, liderado por um Presidente que é réu e que tem menos de 1% de intenções de votos. Não é hora de hesitações. É importante o apoio ao movimento popular que pede diretas já, é importante uma palavra política por parte de outros países. Teria sido um sinal importante o PS, o PSD e o CDS terem votado favoravelmente, no dia 20 de maio, o voto do PCP que, num dos pontos, referia que a Assembleia da República é contra o processo de destituição de Dilma Rosseff como Presidente do Brasil. De referir que alguns deputados e deputadas do PS, entre os quais me incluo, votaram a favor, mas o voto chumbou e isso é lamentável. Até porque não está em causa apenas o Brasil.
Há poucos anos, não imaginaríamos o poder renascido da arma do medo, aqui na Europa, não imaginaríamos o crescimento de partidos de extrema-direita, como a Frente Nacional (França), não imaginaríamos que no dia 23 de maio de 2016, por escassos votos, a Áustria, aqui tão perto, não tivesse caído nas mãos da extrema-direita, lendo-se nos jornais da “novidade”, ouvindo na linguagem do candidato a história recente: na tal da linguagem oral e na pior de todas, a muda. Na UE e na Europa há uma corrente que se vai unindo, são os ecos que se fazem voz única, confrontada com a crise dos migrantes, alimentando-se na arma do medo e atacando muçulmanos, crescendo à nossa vista, somando votos, ganhando mandatos, vozes novas, dizem alguns, métodos tão recentes, tão recentes que há sobreviventes deles para contarem sobre eles.
Um facto é a circunstância presente, outro facto completamente diferente é o método já ter sido usado, com eficácia devastadora.
E os EUA? Há poucos anos, não imaginaríamos que um Trump, o homem do reality-show de nome O Aprendiz, no qual quem não aprendia ouvia a frase you are fired! pudesse competir nas sondagens com Hillary Clinton. Mas está a acontecer. A mesma arma, o medo, a mesma adesão à extrema direita, à xenofobia, ao racismo, ao fundamentalismo religioso, ao ódio às minorias, com propostas como a expulsão de todos os imigrantes ilegais. Um candidato que sobe nas sondagens quando usa como estratégia contra Hillary Clinton atacar a sua vida conjugal, ser xenófobo contra os imigrantes mexicanos, a homofobia, o racismo puro e duro, afirmando mesmo que a juventude negra americana não tem “espírito”.
O que fazer? Escrever, esclarecendo; escrever falando do lado de cá da história, antes de atacar, sem contexto, este perigo em crescimento; afirmar, fundamentadamente, a importância das ideologias; recusar, mas argumentando, a frase feita do apelo a consensos sobre tudo; dizer mais da decência do que da indecência. Porque é mais límpido atacar o perigo sem prescindir de recordar e de argumentar por que razão está ali, de facto, o perigo.
Não é só no Brasil.