A esfera azul e verde que habitamos é tão grande que a esquecemos e deixamos de a ver como uma coisa inteira, sem carimbos, senhores da autoridade e separações, mas de cima, da montanha alta do pensamento, estas não existem.
As fronteiras vêm sendo feitas e refeitas consoante o desejo de posse de poucos e pelas mãos de muitos, manipulados por aqueles e a achar que servem algo maior, a pátria, deus, ou o que for. A ideia é-nos servida com discursos sobre a segurança e afagos nacionalistas na alma mas, ao invés de nos servir, faz de nós servis, contáveis, não-livres.
A proximidade entre os conceitos de fronteira e de limite vai além do tema da delimitação geográfica. Colocar uma fronteira é limitar e limitar é controlar, é ter poder sobre. O homem que aceita o mundo dividido por fronteiras até o pode fazer porque está convencido de que assim fica em segurança (e muito haveria a dizer sobre o controlo das massas e a construção do real através do medo), mas no fundo está a aceitar a limitação da sua própria liberdade. A fronteira é uma ratoeira e ninguém devia ser seu prisioneiro.
É impossível contar as almas que perdemos ao serviço da construção destas linhas imaginárias. É uma conta tão antiga como a primeira batalha entre gente que quis para si um pedaço de terra. Hoje continuamos a perder irmãos na luta de senhores por um território, e perdemos demasiados irmãos na luta para escapar do lugar que lhes calhou quando nasceram. Há muito quem já não se lembre de que somos iguais e tema os irmãos distantes, preferindo-os longe ou mortos, no seu sítio, sem agitar as águas do lado de cá da fronteira, essa ilusão coletiva que afinal não é mais do que uma tolice com séculos de idade e em que se acredita só porque tem séculos de idade.
Quem tomou para si a Terra tomou uma coisa que não lhe pertence nem pertencerá nunca porque a Terra não se pode possuir. Nem dividir. A única coisa que faz sentido é que habitemos o planeta como é natural, como um todo.
Já percebemos através da internet que não é por estarmos longe que estamos desligados, mas falta ainda entender que a paz local é alimentada pela paz à sua volta e que à sua volta há todo o planeta. O paraíso individual tem obrigatoriamente de ser o paraíso na Terra porque um não existe sem o outro. É, portanto, urgente que se tomem os problemas locais como problemas globais, e que pressionemos os estados a trabalhar em cooperação para os resolver, tendo em vista o interesse do todo e não os interesses privados escondidos atrás de estruturas governamentais ou os interesses individuais de nações.
Que a crise de migração do Médio Oriente e de África para a Europa nos sirva de lição. Não podemos continuar a ignorar os problemas distantes e agir só quando percebemos que não há maneira de não sermos atingidos.
Caminhemos enfim para o nosso futuro de direito, construamos nós os alicerces de um mundo à disposição de todos e que assente na ideia de que todos os homens valem o mesmo. Temos muito para fazer, mas não será em vão se um dia formos livres, donos da Terra sem a possuir e sem pertencer a parte alguma, mas sendo de todas as partes.