– “Onde vamos comer hoje?”
-“Que tal irmos ao alemão?”
Qual a probabilidade de esta conversa ter ocorrido 10 vezes ontem em Lisboa? Não sei, mas não arriscaria a pôr todo o meu dinheiro nesta aposta. A cozinha alemã não estará, porventura, lá no top onde figuram a cuisine francesa, as pastas e pizzas italianas, os curries indianos, o sushi japonês, as tapas espanholas, o rodízio brasileiro, ou os omnipresentes restaurantes chineses, mas advogo já que tem o seu mérito.
Já cá vivo há 15 anos e garanto que há coisas que são mesmo do caraças, e é preciso desmistificar.
Se vos pedir para me dizerem já 3 pratos alemães, estou certo que com grande probabilidade a primeira escolha será “Bratwurst” e os dois seguintes virão com muita dificuldade.
Então comecemos por aí, pelas salsichas. Sim, de facto são boas. Uma bratwurst com molho de curry num qualquer quiosque na rua sabe bem, mas a arte da salsicha não se esgota aí. Há também as pequenas Nuremberger servidas com puré de batata e chucrute (em alemão Sauerkraut, para mim a palavra mais alemã da língua alemã…), comida tão reconfortante. Há ainda as salsichas brancas da Bavária cozidas em caldo e servidas com mostarda doce e com um bretzel e é claro, uma cerveja. No domínio da cerveja nem vale a pena entrar, acho que aqui a discussão é pouca.
Mas ainda no campo da comida reconfortante, temos o “Schnitzel” que é a resposta austro-alemã ao nosso bitoque. É um bife fino de porco ou vaca panado e servido com batata frita, e pode ser à Vienesa, isto é simples com uma rodela de limão, ou com molho à caçador (natas e cogumelos) ou molho cigano (à base de pimentos, cebola e tomates), entre outras variantes.
A competir no domínio das pastas onde reinam os italianos, os austro-alemães podem-se bem orgulhar do “Käsespätzle”. É uma espécie de noodles feitos com ovos frescos e fritos em queijo Emmental ou queijo da montanha, e servido com cebolas fritas e um pouco de salsa. Dá uma barrigada bestial.
E no domínio das pizzas, e ali naquela região fronteiriça Franco-Alemã, onde o Reno corre desde Basel a Karlsruhe separando a Alsácia–Lorena de Baden-Wurtemberg, reinam as “Flammkuchen” (ou em francês as Tarte Flambée), que são pizzas que, em vez de molho de tomate, levam creme fresco, cebola e alho-porro, e bacon.
Foi má ideia começar a escrever isto antes do almoço, começa a dar-me uma fome descomunal, já continuo isto daqui a pouco…
(uma hora depois)
Pronto, agora já consigo escrever sem salivar o teclado…
Pois então há também algo que tenho que mencionar aqui, difícil de classificar, e difícil de gostar mas que não deixa de ser uma curiosidade gastronómica interessante aqui na nossa região e que dá pelo curioso nome de “Handkäse mit Musik” (Queijo à mão com música) – é um aperitivo que consiste nuns queijinhos artesanais feitos de leite azedo, amarelos e quase translúcidos, com um aroma intenso e servido com um molho à base de vinagre, cebolas e cominho, e acompanhado de um copo de “Apfelwein” (cidra de maçã). Quando se pergunta aos locais, então e onde está a música, eles respondem que a música vem depois… deixo esta à vossa imaginação…
Para os frios invernos, o restaurante típico alemão serve variadas confecções de carne de vaca, porco, javali ou outra caça (perna, pernil, coxa, medalhões, bifes, etc.) normalmente assadas e guarnecidas com variações de molhos à base de natas, vinho e chanterelles, e acompanhados por batatas assadas ou dumplings de batata, couves, beterrabas e chucrute com maçã. E para meados da Primavera são os espargos, mas a eles já dediquei uma crónica inteira…
E um almoço doce? Para um português não fará sentido talvez, mas aqui acontece. No menu da maioria dos restaurantes típicos alemães, e a nossa cantina oferece de vez em quando, encontra-se o Kaiserschmarrn… imaginem panquecas grossas esfareladas, com sultanas e polvilhadas com açucar em pó, e servidas com mousse de maçã ou com um molho de ameixas ou com molho de mirtilos. Todos absolutamente deliciosos.
E já que estamos nos doces, é preciso dizer que o que distingue a doçaria alemã da portuguesa é que a nossa é fundamentalmente forte na pastelaria e a alemã é forte na confeitaria. Ou seja com os alemães é mais bolos… mas que bolos e tortas… lindíssimos de ver e deliciosos de comer. Uma das coisas que mais me impressionou quando cheguei na Alemanha era ser convidado para café e bolo, e os anfitriões exporem uma quantidade variada de fatias de bolo decoradas cada uma mais apetitosa que a outra… não era estranho sair dali com 3 ou 4 fatias no bucho e a arrebentar pelas costuras… e cada bolo tem o seu nome próprio… há a Torta de Cerejas da Floresta Negra (Schwarwälder Kirschtorte), a Picada de Abelha (Bienenstich), a Onda do Donúbio (Donauwelle), Tartes de maçã (Apfelkuchen), Torta com esfarelado (Streuselkuchen), Torta do Príncipe Regente (Prinzregententorte), e a bomba de chocolate Vienesa (Sachertorte) entre outros…
Mas onde a Alemanha reina suprema é no pão. Sim, o pão Alentejano é uma maravilha, quentinho com a manteiga a derreter, o bolo do caco e a broa também… mas ninguém faz pão como os alemães. O pão alemão é uma refeição em si. Não é raro irmos satisfeitos para a cama com o “Abendbrot” – uma ou duas fatias de pão com queijo ou fatias de charcutaria variada. O pão integral, com sementes, nozes ou outros frutos secos, o pão de variados cereais, o centeio, o trigo, a espelta. Pão compacto. Ligeiramente azedo. O pão que se compra para durar quase uma semana, de onde se vai tirando fatias sem que seque ou crie bolor. Ou fresco, acabado de sair do forno. É uma das maiores riquezas da gastronomia alemã. E a maior razão de saudades da Alemanha para os expatriados alemães, que não encontram pão como o seu em mais lado algum. E com isto já estou a ficar ansioso pela hora do jantar…