Na madrugada do dia 3 de julho, às 3h da manhã no Japão, os Samurai Blue defrontaram a Bélgica nos oitavos de final do Mundial e fizeram um jogo que deixou marca na história do futebol japonês.
Embora não tivesse tido coragem para me levantar e acompanhar o jogo, após ver o resumo e as notícias, percebi que estes jogadores honraram a camisola e foram verdadeiros guerreiros da disciplina, lealdade e habilidade – todas características de um Samurai.
Na manhã seguinte, já no ginásio, estranhei a falta de movimento e associei-a à longa e desesperante noite em claro que os japoneses tiveram. A desilusão foi grande mas tenho a certeza que o orgulho do povo foi bem maior.
Eram muitos os que torciam pela vitória dos Samurai Blue, talvez pela emoção deste último jogo, talvez por terem visto que os jogadores deixaram tudo em campo e surpreenderam o mundo com a sua prestação, talvez pela reviravolta que houve (começaram a ganhar 2-0 e acabaram por perder por 3-2 no último minuto) ou talvez ainda pela simpatia e admiração que todos sentem pelos japoneses. A verdade é que as luzes da ribalta recaíram nos adeptos da Terra do Sol Nascente pelas suas boas práticas e lições de vida. A imprensa não deixou passar a oportunidade de mostrar ao mundo que se cada indivíduo cuidar das suas próprias coisas e recolher o lixo que faz, irá contribuir para uma sociedade melhor e mais civilizada.
Os jogadores da Selecção Japonesa mostraram também que, mesmo perdendo, não lhes caem os parentes na lama por limparem e arrumarem o balneário em vez de desprezarem os bastidores que os acolheu.
A mim, que caminho para 4 anos de Japão, nada disto me surpreende.
As boas práticas fazem parte das rotinas dos japoneses desde pequeninos. É um princípio de vida básico cada um cuidar do que é seu e é com frequência que vemos crianças de 2 anos a carregar as próprias garrafas térmicas e as mochilas.
Nas lojas, são os funcionários que limpam o seu espaço e área envolvente e, de manhã, antes mesmo das lojas de rua abrirem ao público, é comum vermos os lojistas a varrerem o passeio como se do chão das suas casas se tratasse.
No balneário do ginásio que frequento, há aspiradores de mão, rolos autocolantes e mopas. É raro tomar lá banho pois a logística e o conceito de privacidade são muito diferentes daquilo a que estou habituada. Não que pertença ao clube dos que passeiam descascados enquanto o creme seca, mas o meu à-vontade permite-me trocar de roupa sem ter de pedir desculpa por existir.
Aqui há cacifos normais mas depois não há bancos de apoio para espalharmos a tralha e nos vestirmos. Há, sim, pequenas cabines com cortina para cada mulher fazer o seu ritual de beleza e vestir a lingerie de forma resguardada.
Depois temos a secção dos toucadores; não basta chegar ali, secar o cabelo e ir embora. Há um mega secador de mãos de parede para eliminar o excesso de água, há os secadores normais com os respectivos bancos e depois há que apanhar os cabelos que caíram e voaram sabe-se lá para onde. São tudo questões de hábito.
Voltando aos adeptos e às modalidades desportivas, mais do que apoiar clubes os japoneses apoiam pessoas.
Acompanho de perto o Nagoya Oceans, um clube exclusivamente de Futsal profissional fundado em 2006, cuja equipa principal já venceu 10 campeonatos nacionais e outros tantos títulos. Também eles, jogadores e equipa técnica, deixam os balneários limpos e arrumados sempre que jogam em campo adversário.
Os fãs do Nagoya Oceans seguem os jogos fiel e ordeiramente mas há casos particulares a realçar: de estatura baixa e voz esganiçada, uma professora de educação física, que mora a cerca de 5 horas de Nagoya, é fã de um dos guarda-redes e segue-o para todo o lado fazendo-se ouvir durante o tempo de jogo sem se cansar (a senhora é um amor mas a voz não é nada agradável!). Muitos outros adeptos de jogadores já mudaram de casa e de cidade porque o seu ídolo trocou de clube.
Depois há um fã que nos é mais próximo e se tornou nosso amigo, chama-se Jumpei Fujita e autodenomina-se de “japa-tuga”. O Jumpei tem 29 anos e estudou na Universidade Lusófona de Lisboa e na Universidade de Estudos Internacionais de Tóquio. A sua tese de Mestrado foi sobre a obra “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago.
Apaixonou-se por Portugal em 2010, quando frequentou um curso de verão, viveu depois um ano em Lisboa e desde aí todos os anos faz questão de viajar até à nossa terra. No entanto, maior do que a paixão por Portugal e pelo Nagoya Oceans, é a sua paixão pelo Sport Lisboa e Benfica. Torce pelo Benfica, pelos atletas que fazem parte da Selecção Portuguesa de Futebol, de Futsal e por todos os que levam a águia ao peito.
Este japa-tuga, que fala português fluentemente, é menino para estar 3 horas nas academias de treino à espera que os jogadores saiam para poder pedir-lhes autógrafos e tirar umas selfies. Já viajou até à Eslovénia para acompanhar a Selecção Portuguesa de Futsal no Europeu, vai de norte a sul de Portugal para acompanhar jogos do Benfica e, sempre que pode, acompanha os jogos do Nagoya Oceans de bandeira portuguesa em riste para apoiar o Pedro Costa (enquanto jogador que já foi e enquanto treinador que agora é).
O Jumpei espera por todos aqueles que admira após os treinos ou jogos e muitos outros japoneses também. Depois dos jogos em casa, os jogadores do Nagoya Oceans sobem para um átrio comum e perfilam-se para cumprimentar os adeptos um a um – que esperam o tempo que for preciso por este momento, quer a equipa perca ou ganhe.
Também as bancadas deste lado do mundo ficam impecavelmente limpas. Cada um recolhe o lixo que fez levando-o consigo e o facto de não existirem caixotes de lixo reforça este hábito.
Todos estes relatos particulares, que me são próximos, são o espelho da cultura japonesa em geral. São o povo mais organizado que conheço. Escrupulosos com a higiene, prezam e cultivam a sua individualidade mas crescem a pensar colectivamente. Acredito que a máxima “respeita se queres ser respeitado” teve a sua origem aqui.
Para finalizar a temática da partilha, e a título de curiosidade, é sabido que numa grande parte dos locais públicos todos temos que nos descalçar para não transportar germes da rua para o interior (das casas, restaurantes, espaços culturais e de lazer, ginásios, etc.). O que nem sempre é aprazível é calçar o chinelo do povo, muito menos para ir à casa-de-banho. Pois é o que acontece aqui, um par de chinelos para o mundo e o mundo nos nossos pés!
VISTO DE FORA
Sabia que por cá… existem concursos de bandas Cosplay. O nome Cosplay resulta da junção das palavras Costume + Play – qualquer coisa como “vamos brincar aos costumes” – e consiste na prática de se vestirem como personagens de anime e manga. Num centro comercial, perto de casa, assisti gratuitamente a algumas exibições e senti-me noutro planeta!
Nas notícias por cá… aproxima-se o Grande Torneio de Sumo no Dolphins Arena, no Castelo de Nagoya. É um espectáculo a que já assisti em 2015 e é digno de se ver ao vivo, nem que seja uma vez na vida.
Mais informações em http://www.sumo.or.jp
Um número surpreendente: 200 é o número de espécies de cerejeiras existentes no Japão