Hoje dirigimo-nos para sul para a zona de Kras, para nos encontrarmos com a face gourmet da Eslovénia. Menos de uma hora de carro de Liubliana já é suficiente para estar tão longe do centro urbano, e para mergulhar nas paisagens quentes das oliveiras, casas feitas de pedra e rotas de vinho. Passando a montanha Nanos na direção sul, os longos dias de sol são quase um dado. Há quem chame ao Nanos as portas do bom tempo, pois sendo as últimas antes de chegar ao mar Adriático, deixam quase sempre transparecer dias de sol quando vimos do tempo quase sempre enublado da capital. Não é de admirar que todos pareçam mais relaxados e em sincronia com os amplos céus da tarde.
Início da caminhada organizada pelos locais, com partida na vila de Brestovica pri Komnu onde iremos voltar para as delícias preparadas pelos seus habitantes
A região eslovena de Kras é uma região de planalto de calcário conhecida pelo seu presunto seco ao vento e pelo seu vinho “Teran” de sabor forte. Estende-se desde a região de Vipava, passando por Štanjel e até à Itália e é frequentemente visitado pelos fortes ventos de Bura que permitem secar os diferentes tipos de enchidos e presuntos que existem na região (vento que pode chegar aos 200km/h). As parecenças com Portugal fazem-me sentir em casa. Já há muito que queria escrever sobre este ponto comum na Revista Sardinha (a nossa revista bilingue luso-eslovena, disponível gratuitamente em www.sardinha.tv) e explorá-la ainda mais em geral. Logo depois de sair da auto-estrada somos apresentados pelos belos vinhedos, casas tradicionais de Kras, oliveiras e cerejeiras de flores brancas, um verdadeiro hino à primavera que esperávamos ao longo dos meses. O nosso primeiro destino é Komen, onde passaremos a noite. Como um amigo me disse uma vez, temos que acordar num lugar para realmente vivenciá-lo. E nós escolhemos sabiamente para reservar um dos muitos pontos de turismo rural (que se diz kmetijski turizem em esloveno) na área. O quarto é simples e muito bem decorado com um toque antigo. A aldeia de Komen é muito pacífica e ninguém parece estar com pressa para chegar a lugar nenhum.
Uma passagem da caminhada monte acima, onde novos e velhos se encontram nesta entusiasmante experiência
Embarcados com a atmosfera de improvisação, vamos dar um passeio na pequena vila Štanjel, plantada no topo do monte, uma das aldeias mais glamourosas da região. No caminho não posso deixar de pensar nas semelhanças com a paisagem alentejana, e em particular na também glamourosa aldeia de Monsaraz, onde fiz questão de levar a minha esposa a primeira vez que visitou Portugal. Mas as semelhanças não são apenas as aldeias no topo das colinas, as raízes dispersas do vinho e o ambiente dos troncos de oliveira. Essas semelhanças também estão nos sorrisos calorosos dos habitantes locais, com a pele brevemente queimada do sol e na sua maneira de aproveitar a vida. Não há dúvida de que Štanjel está em todas as vias turísticas, sendo abraçado pela cultura de séculos desde os assentamentos na idade do ferro e durante o período românico. A arquitetura antiga, as estradas de pedra, as portas de madeira com tantas histórias para contar. E quando nos encontramos em Štanjel, o conhecido jardim da Ferrari, projetado por Maks Fabiani a pedido do médico Enrico Ferrari na década de 1920, é um lugar para passar algum tempo. Não se apresse, aproveite. Com aquela visão surpreendente em cima do vale de Vipava, é muito bem cuidado e é um lugar perfeito para passar algum tempo com a criança, que foi exatamente o que nós fizemos. E fez-se o seu dia.
Almoço em mesas longas onde se encontram os participantes desta caminhada, a saborear a famosa frtalija de espargos selvagens e presunto
O nascer do sol aqui faz-nos sentir tão perto do verão. Agora estamos prontos para a caça aos espargos selvagens (divije šparglji em esloveno) em Brestovica pri Komnu, evento para o qual viemos cá. Quando estamos a chegar perto do ponto de encontro, já podemos ouvir a música tradicional de aldeia (chamada golica) ao longe. Os visitantes vêm com suas partes (até da Itália, que fica perto e tem várias populações eslovenas) e todos os rostos são animados, de jovens a velhos. É de fato um desporto nacional, e é dito que os primeiros espargos do ano aparecem nesta região devido à proximidade com o mar Adriático. Estes espargos não são como aqueles que se encontram no supermercado, mas muito mais finos e sempre de côr verde. Muito saudáveis, e talvez ainda venham a ser uma daquelas super comidas. Começamos a caminhada olhando pelos pequenos arbustos, tentamos identificar os finos vegetais entre a vegetação rasteira. Embora não seja fácil encontrar o vegetal sazonal desejado, podemos encontrar muitos outros na natureza, como o drobnjak (usado como erva aromática), o regrad (a nossa conhecida erva dente de leão com que os eslovenos fazem saladas), ou o čemaz (uma erva que cheira a alho e é usada para fazer uma espécie de pesto que é muito apreciado nesta estação). Sim, a Eslovénia é um paraíso escondido para todas as delícias selvagens. Mais tarde durante o ano vamos encontrar morangos e mirtilos silvestres e outras bagas, cogumelos variados e até trufas (em particular na região da Istria, partilhada com a Croácia). Mais tarde, de volta ao ponto de partida na aldeia encontramos diferentes especialidades locais feitas de espargos selvagens – crepes recheados, pão com espargos, arroz de espargos e até doces feitos com esta erva silvestre. Mas a rainha da festa é a frtalija, uma espécie de omolete com espargos e presunto que geralmente é servida com um pedaço de pão e uma taça de vinho da região. Um bom prémio pelo esforço. As mesas são longas e promovem a comunhão com pessoas que não conhecemos, novos amigos e novas histórias. Na mesa à nossa frente, um homem mais velho mostra a sua faca especial para cortar os espargos (e sabe-se lá o quê mais) enquanto orgulhosamente segura seu buquê de espargos. Mais tarde as pessoas vão dançar ao som da música tradicional até o sol se pôr.
A música popular eslovena, que tem vários pontos comuns com a música da região alpina Europeia (Áustria, Suiça, etc), e faz lembrar as festas das aldeias Portuguesas
No caminho de volta para Ljubljana, passamos pela aldeia de Tomaj para visitar a adega de do produtor de vinhos Starc. Este lugar foi criado em 1980, o ano em que nasci, mas o negócio começou muito antes. O Teran aqui é fantástico e foi aconselhado por amigos que o conhecem de antes. O licôr de Teran liker recorda-me um pouco do vinho do Porto comprado aos agricultores da região do Douro, em Portugal, antes de ser engarrafado pelas grandes marcas. O proprietário conta-nos algumas das histórias do seu ofício e revela com orgulho o interesse dos seus filhos no negócio que passa de geração em geração. Eu não conseguia pensar numa maneira melhor de fechar essa viagem.