Tenho a sorte de viver num país que tem uma líder genuína e inspiradora.
Apesar da controvérsia à volta das eleições de Outubro do ano passado, Jacinda Ardern é, sem dúvida, a Primeira Ministra de que a Nova Zelândia – e o mundo – precisa.
Preferências e ideologias políticas e partidárias à parte, a eleição de Jacinda (sim, gostamos tanto dela que a tratamos pelo primeiro nome) trouxe consigo várias mensagens que há muito precisavam de ser expressadas.
A primeira, de que os dias em que as pessoas aceitam serem governadas por dinossauros estão contados. Estamos desesperados por líderes inspiradores, visionários, com compaixão, honra e a intenção clara de interromperem o status quo. Sobretudo, líderes cuja missão de servir as pessoas e o país falam mais alto do que o sistema. Jacinda Ardern personifica tudo isto.
São estes líderes que restituem a fé e o orgulho das pessoas no seu país.
A segunda, de que o mundo será melhor com mais mulheres presentes nas mesas de negociações, com coragem de seguirem as suas missões com a autenticidade, garra e magia que têm dentro de si.
A restituição do equilíbrio de energias nas organizações e instituições que nos regem está a caminho e traz consigo uma sociedade melhor.
A terceira, de que integridade e autenticidade, acompanhadas pelos movimentos certos, trarão as soluções de que necessitamos para o desenvolvimento sustentável e a prosperidade que procuramos a longo prazo. Ainda há muito a fazer neste campo, mas são líderes como Jacinda Ardern que aceleram esta realidade, um passo de cada vez.
Mas hoje escrevo, em jeito de rescaldo, sobre a mensagem que abre caminho para um futuro melhor para todas as mães e pais do mundo, partilhada no início do ano.
A romper todas as convenções, Jacinda anunciou, aos 37 anos de idade, com o seu parceiro de cinco anos, Clarke Gayford, que espera o seu primeiro bébé.
Ambos informaram o público que a Primeira Ministra irá tirar 6 semanas de licença de maternidade e que o seu parceiro cuidará da filha a tempo inteiro.
Ora vejamos; a ideia de uma mulher jovem ser Primeira Ministra já é mais ou menos aceite na nossa consciência colectiva (e é só uma questão de tempo até se tornar normal no mundo inteiro). Já a ideia de uma mulher jovem, Primeira Ministra, não casada, grávida, cujo parceiro irá cuidar da filha a tempo inteiro enquanto esta ocupa uma posição de poder… não é bem assim
Notícias como esta assaltam as mentes mais conservadoras sem aviso (e ainda bem!). Enquanto uns aceitam o convite para acompanharem a evolução social da humanidade (natural e há muito esperada), muitos há que jorram ultraje, raiva e desespero pelos teclados do mundo, recusando-se a aceitar o inevitável: igualdade em acção.
Isso, nem a cultura progressiva da Nova Zelândia em relação à igualdade de géneros conseguiu evitar. E assim, saíram para as redes sociais todos os humanos de mentes enterradas nos anos 50, assombrados por este pesadelo.
Entre as reacções negativas mais comuns destaco as seguintes:
- “Que raio de exemplo é esta Primeira Ministra para as nossas jovens? Gravidez fora do casamento?! Que desgraça!”
Em pleno século XXI, custa-me ler isto, especialmente por cá. A única coisa que posso dizer é que está na altura de nos deixarmos de puritanismos baratos que não servem ninguém.
- “Que raio de mãe não vai amamentar a filha? Isto é negligência!”
Sendo eu mãe de duas bébés maravilhosas, tenho uma coisa a dizer: amamentação, uso de bomba tira leite ou fórmula láctea, o que importa é o bébé estar alimentado.
- “Mas como é que ela vai conseguir desempenhar o papel de Primeira Ministra estando grávida? E as hormonas? E o baby brain depois de parir a filha? E a recuperação pós-parto? E as noites mal dormidas?”
Uma gravidez normal não incapacita ninguém – cabe a cada mulher julgar por si própria como se sente e o tipo de apoio que recruta à sua volta. Este tipo de comentário revela o preconceito que ainda temos em relação às mulheres grávidas e à sua capacidade de desempenharem funções profissionais, não só durante o período de gestação, mas também no pós-parto.
- “Se soubesse que iria engravidar, não teria votado nela! Sinto-me traído/a. Como eleitor/a, tinha direito de saber.”
É interessante como ninguém pensa nisto quando se trata de um candidato do sexo masculino. Ninguém questiona a capacidade de um homem governar, se for pai durante o seu mandato. Assume-se imediatamente que a mãe tomará conta do bébé a tempo inteiro, e que este não verá o pai com regularidade. Ninguém pensa no impacto, quer no candidato, quer no bébé. Assume-se que é natural, e que uma coisa não tem a ver com a outra.
- “Coitada da filha! Todos sabemos que os bébés precisam da mãe.”
Os filhos precisam tanto do pai quanto da mãe. A nossa herança cultural e social tem ditado que (num casal heterosexual) é o homem que sacrifica o seu tempo com a criança e a mãe assume o o papel principal na educação dos filhos, mas não tem que ser esta a realidade. Felizmente, caminhamos para uma sociedade em que a escolha cabe a cada indivíduo. E, francamente, entregam-se bébés a amas e infantários por muito menos do que a liderança de um país.
Mas o que estes comentários ignoram principalmente é a escolha deliberada de Clark Gayford, tal como de muitos pais na Nova Zelândia e pelo mundo, de cuidar da filha a tempo inteiro, para que a mulher possa continuar a sua missão.
Vivemos numa sociedade em que ainda duvidamos das capacidades parentais dos homens. Fazem-se piadas leves sobre as habilidades dos nossos parceiros, ou, pior, comentários condescendentes quando estes assumem tarefas básicas nos cuidados dos filhos, as quais são perfeitamente capazes de desempenharem.
Os homens não são progenitores de segunda. Tal como as mulheres não se tornam incapazes e incompetentes depois de serem mães.
A educação dos filhos é uma missão conjunta e está na hora de desafiarmos os parâmetros normais da parentalidade para que dêem permissão às mulheres para desassociarem a maternidade com o sacrifício dos seus sonhos pessoais; e aos homens a oportunidade de serem a figura principal na educação dos filhos, se assim desejarem. Porque, no fundo, as ideias globais em torno da parentalidade limitam-nos a todos.
O serviço maior que podemos prestar aos nossos filhos é cuidarmos da nossa realização pessoal, livres de preconceitos impostos pela História, demonstrando na prática que é importante atendermos à felicidade de todos os membros da família. Para que, no futuro, estas crianças possam construir as suas vidas sem imposições do condicionamento a que as gerações anteriores foram sujeitas.
A alma do mundo pede mais liberdade para todos criarmos as vidas que sonhamos, e não as que nos são impostas. Jacinda Ardern e Clarke Gayford fazem-nos acreditar que é possível.