Chega finalmente o tão esperado dia em que se enchem os balões coloridos, pendurados pelas luzes da sala. Embrulham-se às escondidas algumas prendas compradas ao longo da semana. Vai-se com entusiasmo aos correios para ir buscar as embalagens de papel castanho que trazem as surpresas de lá, enviadas com tanto carinho e ginástica para não atingir o limite de 2kg. Queijo e chá dos açores, o postal dos avós saudosos, livros infantis em língua Portuguesa tão preciosos, brinquedos que ainda couberem e … muita vontade de estarmos juntos. Enfim, já aceitamos que assim não será, mas há sempre momentos que custam mais, e em que o velho amigo Skype não chega.
As festas de aniversário das crianças Portuguesas no estrangeiro são iguais a todas as festas de aniversário de todas as crianças. Mas também diferentes, e a diferença está nos “amigos Portugueses”. Pois é, há os amigos da escola, os amigos do bairro, inevitavelmente os filhos dos amigos dos pais, os amigos do futebol (ou outro clube e desporto) e os amigos que partilham os dois idiomas. Que pensam em duas cores tão distintas, uma eslava e outra latina (no caso Esloveno). E tendo em conta que por esta altura não devemos passar de 50 Portugueses por todo o país, quase todos nos conhecemos e encontramos talvez duas vezes por ano. Estas crianças de culturas misturadas vão crescendo juntas no meio destas famílias misturadas. E esta mistura traz muita riqueza.
Este episódio mascarado de aniversário quer mesmo é falar do que é crescer entre estas duas culturas. Há cada vez mais crianças luso-eslovenas, tanto cá pela Eslovénia como em Portugal e pelo mundo, fruto das várias iniciativas Europeias ao longo de mais de 10 anos para deslocar os jovens através da União Europeia. A Revista Sardinha (gratuita, bilingue Luso-Eslovena, acessível gratuitamente através de www.sardinha.tv) tem tentado encontrar os primeiros luso-eslovenos. Publicou a entrevista de Daniela Ribeiro com Janez Ferreira Stražišar na edição #12, e recentemente foi contactada por Rudolfo Knapič, cujo avô esloveno já viveu em Portugal e tem até página na Wikipédia que vamos traduzir em breve para Português. A Sardinha vai também entrevistar o Rudolfo numa das próximas edições, na sua busca pelos Luso-Eslovenos mais ancestrais.
As crianças bilingues em que uma das línguas maternas é o Português são comuns em países onde a emigração Portuguesa foi abundante, como a França, o Luxemburgo ou o Canadá, mas também as às por países mais exóticos como a Finlândia ou a Eslovénia. Não são suficientes os esforços para ajudar as suas famílias a garantir a Língua Portuguesa como língua materna no estrangeiro. Uma das iniciativas louváveis é a Rádio Miúdos, de João Pedro Costa que a Revista Sardinha teve o prazer de entrevistar na edição #15, e que transmite em Português para todo o mundo com especial interesse nessas mesmas crianças bilingue.
Neste primeiro sábado de Novembro a Sardinha colaborou na organização de um Simpósio muito especial, organizado pela Associação de Amigos Esloveno-Portuguesa de Gabriela Mazovec em colaboração com o PEN, e com o apoio do Instituto Camões. Juntou várias pessoas chave no contexto nacional do bilinguismo para promover a tolerância. Este é um assunto prioritário na Eslovénia devido aos muitos emigrantes dos países da ex-Jugoslávia que vieram para cá fugidos à guerra ou à procura de um futuro melhor. Já na altura do Tito se promovia a movimentação de pessoas dentro da Jugoslávia. Com a separação ficaram muitos assuntos por resolver (mas este é um assunto para outro episódio).
Dois dos vários pontos altos deste simpósio foram a peça musical do Português Eduardo Raon, e a oficina de bilinguismo para os pais, promovida pela Andrea Heath. O Eduardo (também ele entrevistado nas primeiras edições da Sardinha), vive simultaneamente em Portugal e na Eslovénia e é pai de um luso-esloveno ele próprio. Brindou-nos com uma mágica composição musical em harpa motivado pelo bilinguismo que conhece bem. O seu álbum “On the drive for impulsive actions”, editado em 2013 pela Portuguesa Shhpuma, mostra também traços destes desafios diários que todos aqui enfrentamos. Por outro lado, a Andrea é uma Brasileira que trabalha em Munique e desenvolve o projeto “Mala de Herança” para trabalhar com os pais das crianças bilingue Brasileiras e Portuguesas várias iniciativas para ajudar a desenvolver a Língua Portuguesa como língua materna. Com a sua oficina damos início, aqui na Eslovénia, a uma nova iniciativa de intercâmbio entre pais de crianças bilingue, inspirada pelo que já acontece na vizinha Munique.