6:30 h. O sol já nasceu para aquecer este dia de outono que nos trouxe uns poucochinhos 4º C. A brisa suave ajuda as folhas das árvores a soltarem-se e a dançarem até ao chão. Ouvem-se os passarinhos a cantar timidamente e nada mais do que isso.
Ligo a televisão no canal 2 nacional – NHK – e durante 10 minutos, acompanhadas ao piano, umas meninas de coque, maillot e pontas fazem exercícios básicos de ginástica que se traduzem em pequenas flexões, rotações e movimentos coreografados para despertar o corpo. A esta prática dá-se o nome de Radio Taiso (lê-se “Radjio Taissô”). .Um Doodle criado em 2014
Desde que cheguei ao Japão que, volta e meia de manhã, apanhava uns funcionários de bombas de gasolina a fazer exercícios conjuntos. Noutra vez foram uns bombeiros, noutra um grupo de senhoras no jardim, e assim me fui apercebendo que o povo japonês, quando não está a dormir, tem de se manter em atividade.
Mais recentemente fui a um evento do colégio da minha filha que encerrava a semana do desporto e celebrava o Sports Day – o dia do desporto é um feriado nacional que marca a 2ª segunda-feira do mês de outubro e que visa promover os vários desportos e uma forma de vida activa.
Depois de uma semana intensiva de treinos, no sábado de manhã lá foram os pequeninos, acompanhados pelos pais, mostrar a sua agilidade. Foi então que, ao som da célebre música de piano, vi a minha filha de 2 anos a fazer o Radio Taiso do princípio ao fim (nome que até então desconhecia). Seguiram-se várias actividades como corridas, estafetas, saltos e jogos, em que os pais e professores estiveram sempre envolvidos.
Como o próprio nome indica, o Radio Taiso nasceu num programa da rádio NHK há quase 90 anos. Foi instituído a 1 de novembro de 1928 pelo Imperador Showa, tendo como objectivo a manutenção da saúde e felicidade do povo. Nos anos 50 passou a ter tempo de antena televisiva todos os dias de manhã, às 6:30 e às 8:40, com a mesma música e quase sempre o mesmo esquema. Existem duas rotinas padrão e cada uma tem uma duração de mais de três minutos. Ambas incluem exercícios aeróbicos que alongam os músculos, melhoram o equilíbrio e fortalecem a parede abdominal.
Todos os japoneses fazem Taiso desde pequenos – nas escolas, nos jardins, nos locais de trabalho, em casa – e acreditam que além de lhes alongar os músculos alonga-lhes também a vida.
Eu, praticante de taiso à portuguesa desde os 4 anos, como sou filha do desporto, após três anos de corridas pelos jardins e aulas de Youtube resolvi inscrever-me num ginásio. Procurei e visitei vários, começando no ginásio da Junta de Freguesia, passando pela cadeia americana que atrai mais estrangeiros, pelos abertos 24 horas (que têm surgido como cogumelos) e pelos Sports Club mais completos. Acabei por me entregar ao que reunia todos os meus interesses – preço baixo, proximidade, horário livre, aulas de grupo, piscina, parque de estacionamento.
Kanpeki! (perfeito, em português). Na aparência não é assim tão diferente dos portugueses que conheço mas nas regras é todo um mundo novo:
1- Não são permitidas tatuagens (mesmo que estejam tapadas pela roupa)
2- Não é permitido conversar ou incomodar outros sócios
3- Não é permitido estar mais de 30 min na passadeira
4- Não é permitido o uso de telemóveis ou iPods
5- Não é permitido comer fora da zona específica para o efeito (mesas)
6- Na piscina não são permitidos quaisquer adornos (abrem excepção às alianças).
7- O ginásio fecha um dia por semana, às quintas-feiras.
Depois de fazer um treino experimental para me apresentarem as máquinas, de ouvir recomendações e assinar papéis, saí de lá com a inscrição feita e com o cartão.
Às 9:20 do dia seguinte, estaciono o carro e faço um compasso de espera porque o ginásio só abre às 9:30 h. Nenhum ginásio japonês, com excepção dos que estão abertos 24 horas, abre antes das 9h. Há fila à porta e continuam a chegar os meus futuros companheiros de longevidade, quase todos com idades compreendidas entre os 65 e 85 anos.
O staff inteiro recebe-nos com um enérgico “ohayo gozaimasu!” e os passarinhos cantam lá dentro como se tivesse chegado a primavera.
Deixo o cartão na recepção e é-me entregue uma chave-pulseira com o número dos cacifos (um para deixar os ténis da rua, outro para deixarmos sacos e afins). Só podemos calçar os ténis de treino no ginásio.
Subo as escadas ao som dos passarinhos e vou para a passadeira, ou melhor, tiro o pino (daqueles que pomos na estrada quando os carros avariam), coloco-o no chão e subo. Todas as passadeiras têm um ecrã de televisão e um comando (e um pino). Não há headphones, o que significa que cada um vê e ouve o que quer, assim como os que o rodeiam – programas de comida, Radio Taiso, notícias, anúncios e talk shows.
“Abstrai-te Catarina, abstrai-te”, penso para mim. Foco-me no contador de calorias – “Tuna sushi 108 kcal… banana… ice cream… pudding…” – e imagino-me a correr no paredão.
Às 9:45 começa a primeira aula de 15 minutos de alongamentos.
Saio da aula e sou abordada por várias senhoras que me perguntam de onde sou, o que faço, há quanto tempo estou no Japão e tecem-me elogios perante o meu desempenho na aula. Amavelmente dão-me dicas, como por exemplo levar uma malinha para pôr a toalha e a garrafa de água, e chamam-me para me sentar ao lado delas. O meu japonês macarrónico não me permite grandes diálogos, de maneira que qualquer aceno de cabeça e “arigatou gozaimasu” a sorrir compensa a sua gentileza. Senti-me como uma criança que entra pela primeira vez numa escola nova onde todos se conhecem. Sou a única estrangeira. Ninguém fala inglês.
Entro na aula de B-Ramp (uma espécie de mini-step inclinado) que dura 45 minutos. O estúdio é grande e cada aula costuma ter uma média de 30 pessoas. Das recomendações iniciais, sempre com o foco na segurança e bem-estar dos sócios, há que apertar bem os atacadores e alinhar meticulosamente a rampa de lançamento. Da fila de trás constato que todas as minhas novas amigas dão 15 a 0 a muitos jovens, na coordenação, ligeireza, amplitude de movimentos e resistência. Primeiro teste superado!
Dia seguinte: aula de Zumba. As minhas amigas apresentam-me à professora, e às demais colegas que ainda não me viram, e contam-lhe o que já sabem de mim. Uma professora nova, cheia de estilo, dança que se farta e põe toda a gente a gritar e a dançar que nem bombas latinas! Poderia descrever aquelas aulas nuns mil caracteres mas só vendo pois contado ninguém acredita. Há um senhor, talvez tenha mais de 70 anos, que veste um kit de rosa integral, uma fita na testa I LOVE ZUMBA, uma camisola de alças ZUMBA e tem o à vontade de quem se sente em casa. Depois há as coreografias mais arrojadas, sensuais e há o pico da aula no final, onde todos se põem aos saltinhos de coelho e tentam dar palmadas no traseiro uns dos outros. Não, não estou a brincar. E não, não dou palmadas a ninguém.
Da Zumba salto para uma aula de Breathing. De luzes apagadas e estores fechados, ouvem-se as indicações da professora que mais parece a personificação do zen. Uma hora de foco em nós mesmos, de pancadinhas no nosso corpo, de respiração, relaxamento, meditação e uma vontade imensa de ir a levitar até casa.
Todas as máquinas têm toalhas penduradas para as limparmos depois de cada utilização e muitos avisos e procedimentos. No outro dia as bicicletas tinham nelas pendurado um catálogo de comida.
A zona de alongamentos é grande, assim como os colchões, e na televisão dali passa o Radio Taiso e outros esquemas de stretching. Os passarinhos entretanto fugiram e deram lugar a uma música ambiente bastante energizante: “Imagine”, de John Lennon…
Como não me permitem tirar fotografias nem filmar, resta-me relatar-vos a minha experiência e pedir-vos que imaginem.
Bons alongamentos!
VISTO DE FORA
• Dias sem ir a Portugal… 192
• Nas notícias por aqui… no passado dia 14 de novembro uma empresa de comboios de Tokyo pediu desculpa pelo comboio ter partido 20 segundos mais cedo. Os transportes públicos japoneses são extremamente pontuais.
Fonte: https://japantoday.com/category/national/tokyo-train-company-apologizes-for-20-second-early-departure
• Sabia que por cá… as letras e os números das matrículas dos carros podem ser personalizadas. É comum ver muitas capicuas pela estrada fora.
• Um número surpreendente: 500 mil iénes (cerca de 4 mil euros) foi o valor recorde que uma caixa com dois caquis de luxo (tenkafubu) obteve num leilão. O caqui, uma espécie de diospiro, é a fruta mais consumida pelos japoneses no outono.