Por aqui, é tempo de eleições governamentais. Em breve saberemos quem vai representar os interesses da população neozelandesa nos próximos três anos. Em Portugal estamos à beira das autárquicas.
Hoje escrevo sobre a tarefa difícil que o eleitor consciente tem nas mãos. Num mundo ideal, se a democracia representasse realmente os interesses máximos das pessoas e, consequentemente, do país, votar seria mais fácil. Dentro desta premissa, os slogans que nos fazem engolir, as promessas em papel e as boas intenções dos candidatos seriam mesmo verdade, e o eleitor sentiria que está, realmente, com o seu voto, a fazer o melhor pelo seu país e pela sua comunidade.
Mas não é bem assim.
A democracia está em crise global e, mesmo que queiramos muito acreditar que a mudança é
possível, e que as pessoas em quem votamos vão fazer a diferença de que precisamos, é difícil
ignorar os sintomas de colapso lento. A democracia como sistema já não nos serve há muito tempo e precisa urgentemente de reforma. Nós, eleitores, estamos discretamente desesperados por mudança e estamos por tudo – esta é a única explicação plausível para os fenómenos Trump e Brexit.
Não é que quem se candidate, de modo geral, não tenha boas intenções.
Não tenho dúvidas de que quem entra na política tem em si o desejo puro de criar um futuro
melhor para todos. Mesmo o político mais corrupto teve, a certo ponto, mesmo que breve, o sonho de fazer a diferença. Mas como é que se mantém essa paixão com integridade, quando o sistema se tornou tão complexo e apodrecido que engole, sem misericórdia, qualquer vestígio de luz?
A verdade é que as boas intenções morrem cedo, esmagadas pelo peso das velhas práticas e das teias de acordos silenciosos e leis contornadas tão enraizadas no sistema.
Para o eleitor consciente, saber que o seu voto vai contribuir para mais uma dança entre esquerda e direita, promessas falsas, desvios de fundos e, principalmente, a abundância de decisões que prejudicam o país gravemente e as suas gentes, dá um nó na garganta.
O eleitor consciente sabe que não pode confiar em partidos, ainda que se identifique com ideologias específicas. Muitos são os que confiam cegamente nos partidos, como se a ideologia chegasse. Mas não chega; só tem o valor da sua execução na prática, e das medidas específicas que lhes dão vida e que tantas vezes falham.
Quantos de nós revemos o conjunto de medidas em que votamos, e os planos da sua execução
na prática com detalhe suficiente para percebermos as suas implicações? Muito poucos, porque o sistema não promove este tipo de voto, e este tipo de informação não é facilmente acessível e tem uma complexidade propositada.
Mas, se quisermos interromper o status quo, é este tipo de voto que temos que começar a
exercer, mesmo dentro das limitações correntes do sistema.
Em Portugal, estamos muito longe de encontrar soluções para o estado do nosso sistema político. Mas isso não é desculpa para não tentar.
Já a Nova Zelândia, é a demonstração de que é possível fazer o voto contar para o bem maior,
dentro de um sistema que, mesmo com falhas, funciona (ou tenta funcionar) largamente em prol
dos cidadãos, do país e dos políticos que querem fazer a diferença.
É difícil explicar o alívio que é viver num país em que os nossos representantes no governo
encaram as suas funções com rigor e integridade. Em que os mínimos erros não são perdoados, nem é preciso, porque são os próprios políticos a demitirem-se por falhas que parecem medíocres, comparadas às que se vêem em Portugal.
O parlamento é pequeno, o que facilita a transparência e a prestação de contas ao público. Além disso, funciona em regime de ‘mixed member proportional’, para promover a diversidade do governo.
Sinto-me respeitada como cidadã e eleitora e sinto que há cooperação entre o governo e a população.
Ainda assim, também por cá o voto consciente requer pesquisa e reflexão. Os slogans não
chegam, e a análise cuidada do que cada grupo propõe é requisito mínimo.
Durante estas eleições, foram visíveis duas tendências: o voto baseado nas medidas políticas, em vez dos partidos e os seus líderes, e o foco na educação dos eleitores. Surgiram apps dedicadas à comparação das propostas de cada partido, como a VoteCompass e a VoteWise, com acesso aos documentos completos por tópico de interesse.
A ênfase neste tipo de voto gerou resultados importantes: colocar na agenda política dos dois maiores partidos tópicos como o ambiente, a pobreza e a saúde mental por pressão popular e reeducar as pessoas a reconsiderarem a maneira como votam.
De certa forma, criou-se uma espécie de devolução do poder aos cidadãos e reafirmou-se a responsabilidade por parte do governo em executar o que promete. O problema é que o pacote de medidas ideal é uma mistura de medidas propostas por mais que um partido, e não há ainda maneira (simples) para expressarmos o apoio específico ao que queremos para o futuro do país, especialmente após as eleições.
Esta lacuna não será tolerada pelos cidadãos por muito mais tempo, e é só uma questão de tempo até se remediar. Não tenho dúvidas que nos próximos tempos surgirão maneiras simples para se fazerem ouvir as vontades dos cidadãos; especificamente o uso responsável das redes sociais e outros recursos online contribuirão para a transformação do sistema para melhor.
Quanto a Portugal, estamos a anos-luz deste tipo de evolução. Mas tem que se começar por algum lado. Nestas eleições, investiguemos o que cada grupo propõe especificamente para as nossas comunidades, sobretudo como pretendem atingi-lo. Pressionemos cada grupo a ser transparente e procuremos maneiras práticas de nos fazermos ouvir. Educação. Informação.
Quanto aos candidatos, especialmente ao sangue novo, que tenham coragem de sacrificar a sua agenda pessoal em prol da transparência, e dizer às pessoas o que precisam de saber.
Nunca é tarde para repor a verdade e lutar na prática por um país melhor. Começa com o voto consciente.