Algum dia tinha que escrever esta crónica. Há dias comentava-me uma amiga que, a avaliar pelas noticias de Portugal, dá a impressão de que a silly season começa cada vez mais cedo, como aqueles anos bons em que dá para começar a ir para a praia em maio…. Depois de vos falar da água fria do Pacifico, greves de mineiros, terremotos e das alegrias e misérias várias da vida emigrante, chegou o momento de vos vir falar de vestidinhos bonitos…
Parece fútil, mas não é. Como disse uma vez a grande Carolina Herrera numa entrevista com a fundadora do blog Man Repeller: “A frivolidade é fundamental!”. Para quem como eu adora mascarar-se, esta afirmação faz todo o sentido. No limite, a roupa não serve só para nos abrigar, pode definir quem somos, ou projetar quem queremos ser, pode servir para nos integrar e proteger ou pode servir justamente para destacar, para segregar. Digo isto, depois de ter vivido em três países diferentes e de ser consciente que fui adaptando a minha forma de vestir ao país em que me encontrava, qual camaleão.
Creio que foi no Brasil que me comecei a dar conta de que, mais do que sotaque ou aparência física, a forma como nos vestimos pode delatar também a nossa identidade. É um facto desta vida que temos maior probabilidade de sermos assaltados quando somos turistas do que quando somos residentes nesse mesmo lugar. O turista veste-se de forma diferente do local. Ao olhar para o meu armário com alma de arqueólogo, da etapa espanhola podemos encontrar uma coleção de alpercatas e roupa tão berrante que até parece mesmo que grita. No Brasil as alpercatas tiveram que ser temporariamente guardadas, para dar lugar às Melissa de borracha e cheiro a pastilha elástica de morango, pois em São Paulo “chove aquela chuva fdp que começa a cair bem na hora de ponta e pára o trânsito lá na Faria Lima” (um dos meus sketchs favoritos da Porta dos Fundos até hoje). Impossível usar calçado de pano e corda. Desta etapa ficou também muito animal print e muitos brilhos. Troféus de outra vida, trapinhos lindos de morrer, mas impossíveis de usar na minha actual vida chilensis. O meu macacão oncinha (para quê dizer animal print, quando podemos dizer oncinha?!), que eu poderia vestir tranquilamente para jantar num qualquer Domingo à noite em São Paulo, aqui no Chile acho que até para um casamento estaria ligeiramente overdressed… como diz uma colega de trabalho: “no Chile vestimo-nos todas tipo fotocópia, a preto e branco”. Não que não gostem de trapinhos, aliás os chilenos pelam-se por uma boa feirinha e não é invulgar alguém ter um contato de uma amiga que vende roupa em casa e periodicamente lá está montada a feira na casa de banho das mulheres no escritório. Mas caramba, alguém lhes podia contar que já se fazem fotocópias a cores!!!
No Chile, dedico-me a colecionar ponchos e camisolas de lã de alpaca. Vão por mim, alpaca é a nova cachemira.
Para quem gosta de roupa e gosta de seguir a imprensa de moda, viver no hemisfério sul tem um lado trágico-cómico. Como já referi por diversas vezes nas minhas crónicas, vivemos de pernas para o ar, com as estações do ano ao contrário. Isso não se traduz só em castanhas em maio e cerejas em novembro, isto também tem implicações no ciclo da moda. A imprensa, as coleções, as semanas da moda, tudo está maioritariamente vocacionado para o hemisfério norte. Mesmo que depois, todos nós acabemos a comprar a versão baratinha nas mesmas cadeias de roupa espanhola, eu vou vestir os vossos vestidinhos de verão só lá para novembro, quando vocês já estiverem a sonhar com casacos e botas. E eu com vocês, porque na minha cabeça também vou estar a pensar na roupa que se vai usar no Inverno e o meu vestidinho de Verão quando por aqui finalmente chegar o Verão, depois de o ter visto inúmeras vezes ao longo dos últimos meses, vai parecer, enfim, um pouco passé. É viver num estado de ansiedade por algo que está sempre por chegar, desejar verniz de unhas Bordeaux em pleno Verão e sonhar com sandálias em pleno Inverno. Para a pirosa que mora em mim, é a constatação de que estou irremediavelmente fora de moda enquanto aqui viver. Pirosa e fora de moda… arghhhh!!
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 120 dias aproximadamente…
Nas notícias por aqui: Os 50 anos da reforma agrária. Confesso aqui a minha ignorância, pois só agora aprendi que a reforma agrária no Chile começou nos anos 60 com um governo de Direita, uns bons 10 anos antes do governo do Salvador Allende.
Sabia que por cá…. O dia da criança é agora, no dia 6 de agosto…
Um número surpreendente: Segundo um estudo publicado no jornal La Tercera em Julho de este ano, uma mulher chilena gasta em média 399 Euros em roupa por ano.