Como apaixonada por História e Sociologia, os comportamentos sociais sempre me despertaram a atenção. Não tenho preferência por uma época específica, embora, existam algumas mais entusiasmantes do que outras, mas, por norma, gosto da História no seu todo. Os movimentos migratórios – do Homem, não das aves – sempre me deixaram olhos e ouvidos bem atentos durante as aulas. Da história nacional, a emigração dos anos 60 foi uma das matérias que mais gostei, lembro-me de na altura pensar que não tinha perfil para ser emigrante. Quanta ironia.
Parece-me injusto igualar a emigração portuguesa daquela época à que se tem registado nos últimos anos. Não nego que existam pontos em comum, mas muitas coisas nos separam (os objectivos, por exemplo). Os tempos são outros, é um facto, e as vontades também. Actualmente, a própria questão de voltar ou não para Portugal levanta um grupo de tantas outras. Há quem o deseje muito, outros não mais voltarão e há ainda um grupo que está na zona cinzenta, entre aqui e acolá, um alguém que espera por algo que a vida irá trazer, mesmo sem saber o quê e vive bem com isso.
Sendo o local especial que é, Macau tinha, obviamente, de ter uma característica muito própria. Chamo-lhe “O mito dos dois anos”. Não sou só eu, mas o fenómeno ainda não foi patenteado e, aqui entre nós, merece ser alvo de estudo.
(Vamos, até ao final do texto, esquecer as excepções. Assumamos que existem sempre e estragam as estatísticas.)
Não há ninguém que venha para Macau por mais de dois anos. “Só venho por dois anos”, “Não vou ficar mais do que dois anos”, “Ah, eu não, venho dois aninhos e vou embora, não quero ficar aqui muito tempo”, e tantas, mas tantas outras verdades absolutas que ouvimos. Eu própria as disse. “Fico dois anos, não mais”, houve até uma altura em que as pessoas nem sabiam se eu tinha ido embora, se estava em Macau ou se tinha apenas desaparecido como por magia, tal era a convicção que depositava nas minhas afirmações.
Como digno de processo social, a história repete-se. O emigrante aterra em Macau, estranha a terra e define logo a sua curta relação. Muitas vezes antes de partir para a nova aventura já lhe define um fim. Depois, sem notar, embrulha-se na humidade tão característica desta terra, no seu ar quente e quando dá por si anda por cá há 4, 6, 15 ou 30 anos. Naturalmente o discurso vai, ao longo do tempo, sofrendo alterações…bem, coloquemos assim: adaptando-se ao evidente.
Devo louvar quem sempre afirmou: “venho até Macau me querer”. São os únicos certos. Não há quem fique dois anos. Ou vão antes ou demoram bem mais a ir. Há ainda quem chegue e fique para sempre.
“O mito dos dois anos” é uma característica que une os portugueses, como se fosse um cordão que nos liga. Não nos orgulhamos, nem tão pouco lhe temos amor, mas todos nós por lá passámos. Os que acabaram de chegar estão confiantes dos seus planos, e ao ouvi-los, aqueles que já conhecem a “cantiga”, reagem de forma automática: “isso é o que toda a gente diz. Quando deres por ti estás cá há mais de 10 anos”. Palavras que parecem formigas a subirem-nos as pernas. Ninguém gosta. “Então mas eu não sei quanto tempo vou ficar aqui? Era o que faltava!” Lamento informar, não sabem, não sabemos e ninguém sabe.
Questiono-me sobre esta necessidade de colocarmos um prazo em tudo o que nos faz viver. Precisamos de saber que um dia acaba, ou temos apenas de definir uma mudança, como se não nos bastasse o agora para sermos felizes, aquela felicidade de encher o peito.
Uma vez mais, Macau é uma relação de amor-ódio e, neste tipo de ligações, tudo pode acontecer. Uma coisa é certa, os primeiros seis meses são decisivos, se os aguentarmos conseguimos o tempo que quisermos. Se não, bem, pelo menos tentámos. E de tentar ninguém se deve envergonhar.
Eu já cá ando há três, mas não passo dos quatro. (Será?)