Esta semana que passou marcou mais um dia internacional da Mulher e quando penso nas questões de igualdade de género continuo sem perceber se estamos no século XXI ou se regredimos para meados do século XX.
O feminismo – que advoga uma sociedade em que as mulheres têm direitos iguais aos dos homens – parece-me ainda muitas vezes confundido como uma espécie de imagem reflexa do machismo – que acredita que os homens são mais inteligentes e mais fortes que as mulheres. Importa definir claramente as diferenças semânticas, porque a linguagem expressa o pensamento mas também o estrutura.
Como filho tenho uma irmã, como pai tenho uma filha; não consigo visualizar o machismo sem o associar a uma forma simplória de não gostar de mulheres ou de falar de mulheres por – como Esopo e La Fontaine explicaram – não conseguir chegar lá.
É inacreditável que cento e nove anos depois da primeira manifestação pública contra este tipo de desigualdade bacoca e mesquinha, o feminismo ainda seja alvo de discussão. Por isso resolvi escrever um bocadinho a explicar-vos como é viver – em termos de igualdade de género – na Noruega, um país pós-feminista.
As Sagas – os contos épicos da cultura viking – são ricas em referências a mulheres que se diferenciaram ao ponto de ficar para a história. A sociedade nórdica já aceitava – ainda antes do século IX – que a propriedade passasse de pais para filhas e de maridos para as suas viúvas. Até há relativamente pouco tempo a vida agreste dos noruegueses – partilhada entre a pesca e a agricultura, definia ainda mais fortemente esta tendência de paridade: a pesca obrigava a que os homens viajassem por longas semanas até aos fiordes onde o peixe se acumulava para desovar e obrigava também as mulheres a cuidar da terra e da família, num país em que a geologia e a meteorologia se unem acabar com a sorte dos mais fortes. A igualdade de género que se sente na sociedade não decorre de uma ética moderna mas da necessidade funcional de repartir tarefas de sobrevivência. Consequentemente, por aqui já se atingia – em 1980 – a percentagem de mulheres em cargos institucionais que a Europa anda a tentar impor por decreto, sem conseguir. Neste momento, a percentagem de mulheres no Parlamento norueguês é de 40%. A primeira mulher a integrar o governo norueguês chamava-se Kirsten Hansteen e foi Ministra dos Assuntos Sociais – em 1945. No governo actual, metade são mulheres e metade são homens. É exactamente como em Portugal só que é completamente diferente.
O maior diferenciador básico entre homens e mulheres está na biologia. Em termos de biológicos, as senhoras têm um envolvimento na produção da espécie humana incomensuravelmente mais energético que os homens. É a insegurança masculina de que os filhos não sejam seus que gera a estupidez do machismo. Entre os árabes, tapa-se tudo e fecham-se as senhoras às sete chaves. Entre os tuaregues o irmão da mãe é o parente masculino mais importante na família – é o único cujo código genético permite garantias (as tuaregues são também encorajadas a experimentar vários parceiros sexuais durante a adolescência antes de decidir com quem casar, e não se tapam – escusado será dizer que têm vivido muitos dissabores culturais) .
Para que uma sociedade consiga verdadeiramente aspirar a igualdade de género, o primeiro passo tem de ser sempre o de proteger a maternidade contra todas as adversidades. Na Noruega a licença de parto foi instituída muito cedo – em 1916 já era de oito semanas e a mãe já recebia subsídio do Estado. Hoje em dia a licença de parto total é de 59 semanas (para quem se tenha esquecido, o ano tem 52) pagas a 80% do ordenado – ou 49 semanas a 100%, o que – adicionando as 5 semanas oficiais de férias – dá mais de um ano. A licença de parto é extensível ao pai – duas semanas a seguir ao parto e 10 semanas a sós com a criança; as 59 semanas totais de licença de parto podem ser repartidas pelo casal da forma como lhes aprouver. Na prática, esta licença de parto para o pai obriga a que a partilha de deveres force benignamente a igualdade de género. Um pai que não tire estas 10 semanas exclusivas com o recém-nascido está a declarar publicamente que acha que tratar das crianças não é com ele – e viverá as consequências. Num país em que a educação e a saúde são virtualmente gratuitos, quando o divórcio acontece as mães não sofrem desnecessariamente e, por isso, a igualdade de género não é abalada por questões de sobrevivência económica.
As mulheres norueguesas crescem com a certeza enraizada de que a escolha do parceiro está isenta de pressões funcionais, sabem que a sua maternidade está totalmente protegida e é subvencionada e que o seu cargo profissional está garantido quando voltarem a trabalhar. Os homens ou se chegam à frente ou são parvos – e podem ir ser parvos sózinhos para onde lhes aprouver.
No Portugal de hoje já é – finalmente – fácil dizer coisas horríveis e divertidas do machismo, porque é uma doutrina insustentável no século XXI. Um machista a reclamar contra o feminismo é completamente pé-de-salsa, que é tudo o que um machista costuma evitar parecer. Mas o machismo não vai desaparecer enquanto os meninos não crescerem e se tornarem homenzinhos. O machismo é coisa de pilinhas pequeninas.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 225
Nas notícias por aqui: As guerras entre gangs de Estocolmo, que têm feito muitos estragos físicos e sociais, estão na ordem do dia. É por isso pelas piores razões que a enxurrada de notícias sobre o presidente americano desapareceu ultimamente quase por completo. (Fonte)
Um número surpreendente: Neste link (em norueguês), veja uma lista de paridade nos governos noruegueses, desde 1945.