Cresci em Portugal, pelo que o meu Natal é a ideia de frio, chuva, um sol por vezes milagroso que nos relembra o verão e eternos anúncios a transportarem-nos para a neve que não há em Lisboa e para as lareiras que não são típicas das construções portuguesas. O mundo, afinal, cresce com estereótipos e imagens preconcebidas que não cabem nas realidades de cada um. Um ano a estudar na Alemanha fez-me olhar para a tal neve, que eu suspirava e me encantava, e percebi que de romântica nada tem, não no dia-a-dia de quem tem que se movimentar, não no dia-a-dia de quem tem de sobreviver. Umas férias na Índia, em pleno Dezembro, deu-me a amostra do que seria passar um Natal envolto em calor e de calções, com o hotel lindamente decorado com uma gigante árvore e enfeites dourados e vermelhos, a estranhar-me os modelos que consumi durante toda a infância. E eis que me encontro em Angola e, diametralmente oposto, de cabeça para baixo, como diz uma amiga, percebi que também se vive intensamente um espírito natalício e se consomem da mesma forma os estereótipos mundiais de um Pai Natal de barbas brancas e vestido de vermelho, sobretudo quando 30 graus nos fazem arrepiar veludos de quem tem de entreter as criancinhas ao colo, em espaços comerciais.
Neste Natal quentinho, que confesso é o meu preferido, é que verdadeiramente se juntam as almas e se brinda às amizades, à família e ao que de mais nobre esta época nos lembra: a amizade! E um pé na praia também sabe bem e uns mergulhos e amigos. São perspectivas, que me fazem reflectir verdadeiramente nos modelos que tentamos passar. São modelos desajustados às realidades, mas são necessários, porque unem as pessoas através de países e culturas (há culturas e religiões que não festejam o Natal, bem sei), mas sendo a desculpa o consumismo, as consequências são bem mais benéficas. E saber-se que o bacalhau é tão típico em Portugal quanto o é em Angola (sim, a inversão aqui é propositada), faz-me sorrir e pensar que é tanto o mais que aproxima-nos, que o que nos diferencia.
Continua a espantar-me, e penso que quem emigra deve estar a sentir o mesmo, a letargia que o meu país vive, ou mantém. Gostava de ver, sobretudo ao longe, um arrumar de casa, um espírito mais livre, mais progressista, um espírito natalício mais anual, menos dado a momentâneas decisões do “agora é que é, agora é que vou mudar!”. Os balanços fazem-se nos momentos mais inesperados. Daqui, ao longe, ouvir notícias de que peritos da ONU alertam para as condições inaceitáveis em que vivem muitas pessoas em Portugal, depois de uma visita de 10 dias em território português, deixa-me a pensar que não mudamos, nem queremos, nem o Natal consegue esse milagre! Fico a pensar que deveríamos focar-nos primeiro no nosso país antes de apontar o dedo a quem nos acolhe.
Por cá, aconteceram tantas coisas e algumas históricas, como a feira da construção com uma discussão pública do plano director do urbanismo da cidade de Luanda. Os ânimos aqueceram, revelando bons sinais de haver muita atenção sobre uma cidade que se quer melhor, maior e mais humana. É sempre bom haver olhares críticos, mas sobretudo o combate ao deixa andar. Mas o lugar aos balanços fica para o ano!
Daqui, deste cantinho quentinho, do areal que aquece e nos leva a mergulhos, fico a pensar que o Natal deve ser esta liberdade que o calor concede e nos aproxima, a todos, onde as pontes que ligam os homens começam num simples sorriso, num “comé? – Tou fixe!”. E o dia fica mais leve. A todos, em todas as latitudes, um Feliz Natal!
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 94
Nas notícias por aqui: As Eleições e o Candidato…
Sabia que por cá… O kwanza, a moeda nacional de Angola e do seu maior rio, faz 40 anos!
Um número surpreendente: Segundo a Organização das Nações Unidas, Angola é o 16º país com maior potencial agrícola do mundo. Dá que pensar…