Black Johnson, Serra Leoa – Dia 9 de Novembro do ano 2016
A Serra Leoa dá os seus primeiros passos, depois de ser atirada ao chão – como toalha de um boxeur que perdeu um banal combate de rua. Atirada ao chão pela mão dos eternos minérios que minam a estabilidade de África, pelas guerras cruas de machete em riste, no risco de uma pele amputada, ou pela comunidade internacional que desvia os olhos de tudo isto, enquanto assobia num ritmo tribal não tributado pela finança que lhe paga o almoço, ou pelo infortúnio das doenças que matam enquanto cavalgam população a dentro… mais ébola menos ébola que nunca valha aos deuses e muito menos aos humanos da Serra Leoa.
O voo da música da Anja Garbarek enrola-se com as ondas de um mar que não é só meu. Partilho-o com a minha namorada, com a família do Martin – que é o dono do Bahamut Beach Club e com os rapazes que ajudam aqui neste “Eco-Resort” (facebook + imagens).
O sítio é simples, bonito, não tem os luxos do nome Beach Club, mas tem os luxos de ter água de um poço de água potável, não tem electricidade, não tem confusão, mas tem o tão almejado Tudo Incluído, ou seja, a paz, a sombra do teu corpo projectado pela luz da lua na água enquanto te deitas ao mar depois do jantar, tem o sonho de uma sociedade que não se come com likes e comentários sobre as banalidades do possível ontem, e deixa-te ir para a cama – debaixo de um mosquiteiro – com o impossível amanhã.
O meu trabalho é pejado pela intensidade de liderar uma organização médica internacional, com os seus orçamentos multi doador, equipas nacionais e internacionais, os obectivos de evitar mortes em tempo diário e melhorar o sistema de saúde em tempo urticário.
Isto cansa, desgasta e voltamos ao estado toalha em queda livre que nos deixa mais pesados e em boa posição para falhar.
A Tânia trabalha num campo de refugiados em Nampula que fica num outro imenso lado de África e todos os dias vive a vida vivida em rasgos de roupa gritada de vozes que se refugiam na incerteza do respirar, na fortaleza do olhar e na esperança de serem escutados.
Fazemos a soma das partes e o todo precisa de descanso, precisa de sair da realidade que comanda o desencanto pelos processos duros do trabalho e chegamos ao desígnio internacional R&R – Rest and Recover – repousar e recuperar… e é isso que aqui fazemos, ainda que a Tânia apenas tenha 5 dias deste minério imensurável porque está numa zona de risco, eu não tenho essa regalia porque a Serra Leoa já não está dentro das zonas de risco, mas tenho uma compensação de alguns dias que ajudam a procurar repouso.
A Serra Leoa ainda não tem grandes infra-estruturas turísticas, apenas um par de hotéis internacionais que acabaram de servir de apoio fundamental para albergar parte das equipas que combateram o ébola. O Radisson Blu foi nessa altura gerido por um português de excelência, o meu amigo Nuno Neves, que agora se encontra no Sultanato de Omã e prosseguir uma carreira de gestão hoteleira com um brio reconhecido por prémios internacionais.
Então aos fins de semana, para ajudar a limpar a cabeça e a permitir que o mar lave e leve todos os problemas, meto-me no carro e vou explorar as praias e as comunidades aladas de mar com o meu amigo Tiago Neves, mais um português que está a trabalhar na área da energia e é responsável por aconselhar o ministro da Energia da Serra Leoa a avançar com vários projectos de energias renováveis, que permitirão que muitas famílias deixem de depender de energias poluidoras e dispendiosas para depender quase apenas delas próprias e da energia gerada pelo sol.
Tirando esses hotéis, existem alguns resorts interessantes, tal como o The Place que tem um elevado nível de qualidade, ou uma das praias mais bonitas do mundo e a favorita para mim – River Number 2, ou as fabulosas praias de Bureh, John Obey, a Banana Island, a Turtle Island –, mas entre todos esses magníficos locais nada me traz a paz e a harmonia que ajuda a descansar e recuperar como estas ondas do mar que me fazem escrever com menos pontuação que o habitual .. e tudo isto em Black Johnson.
Depois de verem essas imagens todas, estou certo que quererão vir até Serra Leoa – é o paraíso aqui ao lado.
VISTO DE FORA
Quantos dias sem ir a Portugal: 45
Nas notícias por aqui: Não se fala de mais nada que Trump, Trump, Trump. Muitos dos meios de comunicação falam com receio das consequências do que está para vir, mas outros conseguem focar na subserviência e pedir a compreensão que este país africano que é maioritariamente muçulmano pode ser amigo da América de Trump.
Sabia que por cá… A presença portuguesa é vastíssima. Para além do nome Serra Leoa ter sido dado por marinheiros portugueses, de ter sido um tal de Pedro de Sintra a ser o primeiro branco a parar por estes lados (ainda há pessoas que dizem que descobriram não sei quê, mas vocês sabem que as pessoas que cá viviam sabiam e tinham noção que antes dos colonos, eles mesmos já existiam), ainda existem muitos restícios da presença portuguesa: a prisão actual da cidade de Kenama era um antigo depósito de escravos, no fundo do mar estão vários navios portugueses, existem algumas pontes, igrejas, candeeiros de rua e vestígios arquitetónicos portugueses. Quem diria?