Há coisa de um-dois meses atrás andava a circular no meu feed do Facebook um daqueles artigos supostamente engraçados que descrevem as pessoas sem filhos vs as pessoas com filhos, esses pobres diabos que não saem à noite, não bebem gin tónicos, adormecem no sofá e alegram-se pela segunda-feira… Porém, um dos pontos do artigo chamou a minha atenção; dizia ele que as pessoas sem filhos escolhiam o restaurante pelo menú ou a decoração, enquanto que as pessoas com filhos entravam no primeiro restaurante que tivesse cadeiras infantis… a sério?! Em Portugal é assim tão difícil encontrar um restaurante que seja child-friendly?!
É que para mim, que tenho um filho de dois anos e moro no Chile há três, jamais me passaria pela cabeça que um restaurante não tivesse cadeiras para crianças. Cadeiras no plural, e mesmo nos restaurantes bonitos com o tal menú e a tal decoração. Por vezes, não há é cadeiras suficientes para todas as crianças presentes e depois os pais andam a pedir as cadeiras uns aos outros à medida que os respectivos putos decidem ir para o colo ou dormir no carrinho. Mesmo à hora do jantar é comum haver umas duas ou três mesas com crianças pequenas na sala.
Isto deixou-me a pensar. No Chile há crianças por todo o lado. Não falo apenas em termos demográficos, a pirâmide demográfica na América Latina não é como na Europa, apesar do Chile ser até o país da região onde o envelhecimento da população se vai fazer sentir primeiro. No Chile há crianças por todo o lado, no sentido de que as crianças ocupam o espaço público em conjunto com os adultos. Habituamo-nos a ver crianças nos parques, nos mercados, nas repartições públicas, bebés de colo no metro, nos restaurantes. Ninguém põe cara feia. Os centros comerciais mais chiques de Santiago organizam teatrinhos infantis aos sábados de manhã de forma gratuita. É muito comum ver famílias a viajar com crianças pequenas. Sinto que há uma maior tolerância cultural face às crianças no Chile do que, digamos, na Europa. Aliás, o único hotel no Chile que recordo ter uma política de não aceitar crianças é justamente um hotel boutique-experiência culinária propriedade de uma senhora belga.
Seguindo com o tema das viagens, quando cheguei ao Chile surpreendeu-me ver a quantidade de pessoas com carrinhos de bebé que passeavam em São Pedro de Atacama. Afinal, visitar aquela parte do deserto implica madrugar quase todos os dias, sofrer um bocado com o frio, sofrer um bocado com a altitude… é de uma beleza espectacular, mas está ali-ali, quase-quase junto com o turismo de aventura e, no entanto, os miúdos de carrinho e tudo vão também. A Sul é a mesma coisa. Em Puerto Natales na Patagonia chilena, lá onde o mundo acaba, tive a agradável surpresa de descobrir que vários cafés tinham livros para crianças no expositor dos jornais.
Talvez o modo de vida chilensis facilite a coisa. Os chilenos são um povo que aprecia a vida no campo, programas típicos de fim de semana em Santiago incluem subir um cerro (um monte ou uma montanha pequena, uma vez que Santiago se encontra num vale rodeado por duas cordilheiras, a dos Andes e a da Costa) ou ir a um parque. Chegada a Primavera são um povo muito piqueniqueiro. Olhamos para o relvado do Parque Bicentenário e quase parece uma praia, mas com mantas de piquenique em vez de toalhas de praia. Quando não há piquenique, há sempre uma feirinha num dos parques da cidade. Feira gourmet, feira de artesanato, feira do livro, teatro na praça… o ponto é que todos os programas estão muito vocacionados para fazer em família e com as crianças.
Por aqui não se celebra o Carnaval, mas a criançada tem oportunidades de sobra para se mascarar ao longo do ano. Mascaram-se pelo Halloween, mascaram-se no final do ano escolar em Dezembro, e na creche também se mascaram para celebrar o final do Verão em Fevereiro, pelas Fiestas Patrias com o traje típico e basicamente quando lhes apetece. O certo é que à hora de ponta no parque infantil há sempre algum super-homem com capa ou uma fada-princesa a correr à volta dos baloiços…
Falando em horas de ponta, um dos aspectos menos positivos desta aparente bonança infantil é que actualmente pode haver lista de espera para entrar até nas creches. Apesar de culturalmente muitos chilenos preferirem ter as crianças em casa com a mãe ou com uma ama (a “nana”) até cumprirem 1-2 anos de idade, eu estive 1 ano há espera de vaga na minha creche de eleição e fui à entrevista ainda estava grávida. Sim, disse creche e disse entrevista. Para entrar para a escola teria também que dizer: psicotécnicos! Como há muitas crianças e poucas escolas (leia-se: escolas boas), criou-se um modelo de selecção meio americanizado e um tanto absurdo em que não são os pais a escolher a escola dos filhos, mas sim as escolas a escolherem os pais e as respectivas crianças. Como diz um amigo chileno com alguma graça: “tu não escolhes, entras naquela que te aceitar e depois defendes essa escola “a muerte” como se a tivesses escolhido tu”.
Nem tudo é perfeito, mas é refrescante viver num país com tantas crianças. Afinal, como diz o cliché, as crianças são o futuro. Um senhor aqui na rua ao ver o meu filho disse-me uma vez: “só é pena que cresçam tão depressa”.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 55 dias.
Nas notícias por aqui: Partidos políticos preparam-se para as eleições municipais de 23 de Outubro.
Sabia que por cá… Agustín e Sofia foram os nomes mais populares para as crianças registadas durante 2015 no Chile.
Um número surpreendente: a taxa de natalidade no Chile (número de nascimentos por cada mil habitantes/ano) foi de 13.21% e o índice de fertilidade (número de filhos por mulher) foi de 1.76 segundo dados de 2014.