Há uma mousse no aeroporto Schipol que tem calorias suficientes para voar sem avião mas não é isso que me traz aqui. Acabei de dar ali um salto a Bruxelas (da Noruega, é a descer) e tenho notas de viagem para debitar. Ao contrário do que se imagina atentando às notícias, a vida nestas duas cidades do Norte da Europa – Amsterdam e Bruxelas – decorre, embora com pequenas alterações. A primeira, é o aparente ostracismo público de quem não se apresente em conformidade com o padrão. A estação de comboio de Schipol é um espaço amplo, com 6 plataformas a debitar comboios para todo o lado e uma espécie de centro comercial por cima da estação ferroviária. Neste, há várias ilhas de assentos onde vi o seguinte: três das ilhas ocupadas por tipos – um em cada ilha – com ar manhoso e a postura solitária costumeira em bombistas e em pessoas de tez escura que tenham dormido mal (aparentemente, os tipos com ar manhoso evitam também sentar-se uns com os outros); na quarta ilha os assentos estavam profusamente ocupados por todos os restantes viajantes – de ar inócuo, xoninhas ou com mais de 65 anos -, amontoados o mais perto possível uns dos outros e o mais longe possível dos manhosos. Enquanto esperei pelo comboio sentado na minha mala – e, também eu, alegremente xoninhas e o mais longe possível dos manhosos -, reparei que todos os ruídos inesperados produziam pequenas mas instantâneas comoções.
A memória colectiva parece curta. Em 1976 – em Londres – deixei dois sacos de compras encostados à parede a metro e meio do balcão onde tomava café e ao fim de 5 minutos apareceu a equipa de minas e armadilhas da polícia inglesa; viviam-se os tempos conturbados do IRA. Nessa altura não se podia ir a Espanha sem pensar na ETA, nem a Itália sem pensar nas Brigate Rosse, ou à Alemanha sem pensar nos Baader Meinhof. Três anos depois, durante um ano em que vivi nos EUA, era mensalmente obrigado a “drills” durante os quais nos sentávamos debaixo das carteiras do liceu, em preparação para “um eventual ataque nuclear”. O gume rombo da espada de Damócles da Guerra Fria pairava sobre as nossas cabeças, mas sabíamos então – como deveríamos saber também agora – que para quem tinha vivido os horrores de uma, ou duas, Guerras Mundiais, o stress de que nos queixávamos era coisa de meninos. Falo frequentemente com noruegueses que viveram a invasão alemã, que me contam histórias de dor, morte e privação. Somos uns meninos.
Chega-se a Bruxelas e as ruas estão repletas de soldados e de veículos militares mas – graças à forma belga de estar – não se sente insegurança nenhuma, sendo que os soldados e os polícias fumam, riem e parecem basicamente estar a passar um belo momento longe do aborrecimento inane dos quartéis. Bruxelas está em alerta de nível 3, mas não parece. É verdade que nas ruas se sente um mini-assombro, as sirenes das ambulâncias deixaram de ser ruído de fundo (todos levantam a cabeça com um semblante vigil à sua passagem) e os tipos de ar manhoso parecem desfrutar de maior espaço vital. Mas de resto nada que confirme o ruído mediático. Os belgas adoram queixar-se, de uma forma que nos faz parecer – aos portugueses – alegremente positivos. O presidente da câmara de Bruxelas decidiu barrar o trânsito a todas as ruas em torno da Grand Place e torná-las exclusivamente pedonais, o que provocou apoplexias nos comerciantes da zona. O tuc-tuc amplificado das rodas das malas arrastadas por hordas de turistas xoninhas afastou contudo os tipos de ar manhoso que antes se viam a rondar os cafés. Há magotes de gente a tentar tirar selfies com os cavalos das carruagens neo, e os cavalos expressam o seu desdém pela parte de trás. O Manneken Pis continua a expressar o seu desdém pela parte da frente. Os nativos enfurecem-se com os turistas. Entretanto, ali perto, passei por zonas que parecem versões assépticas – mas com o mesmo estado de alegre confusão – de Conakry. Mas não vi um árabe.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 3 semanas
Nas notícias aqui: Sobre uma das empresas financeiras de gestão de pensões que vai provavelmente entrar em falência técnica, pelo que o estado aconselha os clientes a “saltar fora”. A saúde financeira das companhias – e até dos privados – na Noruega é do foro público e pode ser consultada em qualquer momento na internet. (Fonte)
Um número curioso: taxa de desemprego actual na Noruega é de 4,8% (Fonte). Não sei que comentários adicionais fazer, para além de que em muitas profissões, acima de tudo nas mais técnicas, a taxa real de desemprego é negativa, ou seja, a oferta de trabalho é maior que a procura e cria um tecto que impede o desenvolvimento das empresas e, consequentemente, da economia.