Eram cinco da manhã e o canto das Ibis acordou-me de repente. Estava no Ruanda, no parque nacional dos vulcões, território dos últimos gorilas de montanha do planeta, e ia ver novamente os gorilas.
Os gorilas vivem num território mágico, no meio do vale ocidental do Rift existem oito vulcões que separam a savana africana do lago Kivu – o terceiro dos cinco grandes lagos da falha Albertina.
Esta é uma das regiões mais ricas em recursos naturais do mundo, mas também mais conflituosas do nosso planeta, e aqui vivem os últimos exemplares do gorila de montanha – uma subespécie de gorila da qual sobrevivem apenas aproximadamente 900 exemplares.
Tenho a sorte de viver parte do ano aqui e de ver os gorilas com frequência. A última vez que os vi foi no dia 16 do passado mês de agosto.
Nesse dia fomos os primeiros a chegar ao parque, e depois de conhecer o nosso ranger foi-nos oferecida a possibilidade de ir ver o grupo Pablo – com mais de trinta gorilas a família Pablo é a maior família de gorilas do sector dos Virunga.
Começámos a andar em busca dos gorilas às nove da manha. O céu estava nublado, e como era de esperar de repente começou a chover. Estávamos no meio de um bosque de bambu e apesar das gotas serem enormes, aquela vegetação protegia-nos da intensa chuvada que nos castigava a mais de dois mil metros de altitude.
Por volta do meio-dia, Félix, o nosso guia, recebeu uma mensagem por walkie talkie.
Os trackers que iam à nossa frente informaram-no que os gorilas foram localizados. Acelerámos o passo e os guias armados de machetes foram abrindo caminho por entre ortigas gigantes e todo tipo de lianas.
Deixámos para trás os bosques de bambu e a partir dos três mil e quinhentos metros de altitude encontramos bosques de Rosídeas e enormes lobélias.
Pouco a pouco, conforme subíamos, a chuva foi sendo mais fininha e deu lugar à bruma tão característica destas montanhas, e por fim começámos a ver e ouvir as primeiras pistas:
O cheiro a terra molhada foi substituído pelo cheiro intenso dos gorilas e o ruído seco dos golpes que os jovens machos dão no peito para imitar os adultos começou a ser mais frequente.
Avistamos uma cama de gorila composta por ramos cuidadosamente selecionados e cortados, e o primeiro gorila apareceu no meio da mata. De imediato os guias começaram a imitar os ruídos guturais dos gorilas, e pouco depois tivemos as primeiras respostas, o que de alguma maneira é sinal de que o dorso prateado – o líder do grupo – aceita a presença humana e que podemos aproximar-nos.
Estávamos no meio de um bosque de ortigas – um dos alimentos preferidos dos gorilas e a família estava dispersa debaixo das árvores para se proteger da chuva. Os gorilas adultos são animais muito tímidos, e é muito frequente que inicialmente nos ignorem, mas as crias mais jovens são extremamente curiosas e aproximam-se muito. Havia crias por todos os lados e não paravam de brincar penduradas nas lianas, a dar cambalhotas à nossa frente, comiam raízes e talos das plantas que nos rodeavam.
As mães geralmente andam por perto mas o grau de habituação à presença humana é tão alto que não parecem preocupadas com os excessos de confiança das suas crianças, que desta vez chegaram a empurrar um dos turistas que estava no meu grupo.
Parou de chover e os adultos começaram a sair de debaixo das árvores e, de repente, um dos três machos de dorso prateado decidiu aproximar-se para nos ver.
Estar frente a frente com um dorso prateado é uma sensação inesquecível, e por muitas vezes que os tenha visto, emociono-me sempre. É um animal fantástico, imponente. O seu olhar penetrante e inquisidor não deixava lugar a dúvidas – estávamos perante o macho alfa.
Um gorila de dorso prateado mede mais de um metro e oitenta e pesa cerca de cento e oitenta quilos, e cruzar o nosso olhar com um deles é uma experiência quase mística e emocionante, mas desta vez o seu olhar não se dirigia a nós…
No meio de todos os jovens gorilas de dorso negro, o macho de dorso prateado detetou que um deles estava a tentar copular com uma das suas fêmeas.
Em menos de dois segundos o macho alfa atravessou a vegetação correndo e reprimiu o jovem atrevido mordendo-lhe o braço esquerdo. Durante os minutos seguintes nós e o gorila castigado ficámos imóveis, e em silêncio, perante a enorme demonstração de autoridade do dorso prateado.
O resto do grupo seguiu comendo e catando-se uns aos outros. Finalmente outros dois machos de dorso prateado surgiram do meio da mata e dirigiram o grupo montanha acima em busca de outro tipo de alimento deixando para trás o macho castigado.
Gorila de montanha- Gorila Beringei Beringei
Os gorilas de montanha são animais sociais que vivem em grupos liderados por um ou vários gorilas de dorso prateado. Essencialmente herbívoros os gorilas comem umas quinze espécies de plantas diferentes das quais absorvem praticamente toda a água que necessitam.
À semelhança dos humanos a gestação dos gorilas dura nove meses e a menstruação ocorre uma vez por mês.
Os gorilas também utilizam ferramentas como, por exemplo, ramos de plantas para capturar formigas. Recentemente foi observado na república democrática do Congo um gorila que usava um pau para medir a profundidade de um rio que tinha que atravessar.
Comunicam mediante sons guturais e foram identificadas 25 vocalizações diferentes entre os diferentes membros de cada família de gorilas
Habitat dos gorilas
Atualmente os gorilas de montanha vivem em duas zonas separadas na fronteira entre o Congo, Ruanda e Uganda.
A zona mais conhecida é a dos montes Virunga onde Dian Fossey montou o centro de investigação Karisoke no Ruanda. Neste sector podemos ver os Gorilas em 3 parques nacionais diferentes. P.N. Volcans no Ruanda, P.N. des Virunga no Congo e por último no P.N. Mgahinga no Uganda. Frequentemente os gorilas cruzam as montanhas e passam de um país a outro.
Outro sector que provavelmente dará origem a uma sub-sub espécie de gorila de montanha é o sector do P.N. de Bwindi no Uganda. O número de gorilas de este parque é de aproximadamente 450 indivíduos, 50% da espécie. Este grupo já não têm contacto com os gorilas de Virunga e têm características diferentes – pelo mais curto devido à altitude mais baixa em que vivem e comportamento mais arbóreo devido à presença de mais espécies de fruta.
Atualmente a principal ameaça à sobrevivência dos gorilas de montanha é a redução do seu habitat. O Ruanda é o país com a densidade demográfica mais alta de África e na zona dos montes Virunga vivem mais de 1.500 pessoas por quilómetro quadrado. A fertilidade das terras vulcânicas e os recursos naturais dos bosques milenares desta região de África são a maior ameaça para os últimos gorilas de montanha e também para as gentes de estas terras tristemente conhecidas pelo genocídio de 1994.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: Quase duzentos
Sabia que por aqui… Foi rodado o filme “Gorilas na Bruma” com Sigourney Weaver
Um número surpreendente: 750 Dólares é o preço que paga cada pessoa que visita os gorilas e que provavelmente subirá para 1.000 dólares no ano 2017
Nas notícias por aqui: Anastase Murekezi – primeiro ministro do Ruanda afirma que a conservação das espécies naturais pode acelerar a economia das nações africanas