– Esta é a tua rua. Não te assustes, pode ser um bocado diferente de Lisboa. Onde é que vivias mesmo?
– Uns dias em Aveiro e outros em Linda-a-Velha – balbuciei, espantada com a rua estreita, só de um sentido, cheia de tendas de frutas e flores, e muitas, demasiadas, grades em janelas e portas e tudo aquilo que pudesse suportar aquela instalação de ferro.
– O teu prédio é este – apontou quem me recebeu.
– Está terminado? – perguntei, em tom de brincadeira, mas com a maior preocupação do mundo.
– Sim, não parece? – respondeu, com uma ainda maior naturalidade.
…
Acabara de chegar a Macau. Pouco passava das 22 horas locais, ou seja, mais, naquele fuso, oito horas do que em Portugal. Fui recebida por um grupo de futuros colegas de trabalho que há muito tinha perdido a ingenuidade de quem acabara de atravessar o mundo de mochila às costas. Depois de uma tentativa de jantar – num restaurante italiano, vejam só a ironia – fui acompanhada até ao meu novo lar.
“Não eleves as expectativas” – lembro-me de me alertarem. A verdade é esta: não há céu como o de Lisboa, mas há por ai muito bons céus. Por isso, e depois de mais de 20 horas de viagem, entre avião, comboio e barco, qualquer céu me iria agradar.
13, 14, 15, (…), 45, 46, 47, (…), 67, 68, 69, (…) 101, 102, 103 e, finalmente, já sem fôlego e desesperada com tanto suor a percorrer-me o corpo, 104. C-e-n-t-o–e–q-u-a-t-r-o dolorosos degraus separavam-me, diariamente, do meu lar à rua da Praia do Manduco. (Não queiram imaginar a frustração que era quando reparava que me tinha esquecido de alguma coisa em casa. Alguma coisa realmente necessária.)
Um pequeno, simples e muito luminoso apartamento (algo que só pude constatar no dia seguinte), com dois quartos e um mini terraço – que na altura me pareceu a coisa mais comum de sempre, mas agora, dois anos e meio depois, percebo que é um privilégio que poucos se podem dar ao luxo de ter – deu-me as boas vidas àquele que era o início de uma grande aventura.
“Temos muita luz nesta casa. É coisa rara nesta zona”, afirmou prontamente a minha nova colega de casa, rasgando a minha bolha de pensamentos.
– Tens sono? Queres tomar banho? Tens fome? – continuou a bombardear – depois, esta semana, podemos ir dar uma volta aqui pela zona para te dizer quais os melhores sítios para comprar coisas. Não há muita coisa portuguesa aqui nesta zona. Temos o mercado que tem sempre peixe fresco. Temos fruta, e depois tratamos do passe para os autocarros. Aqui anda-se de autocarro para todo o lado. Isto é pequeno. O bilhete custa apenas duas patacas (22 cêntimos).
Ouvi atentamente e respondi um seco “ok”. No fundo nem eu sabia o que queria, porque continuava obcecada com as imagens gravadas pelos meus olhos de todas aquelas luzes que inundavam o céu de Macau e o silêncio “da minha rua”.
Lembro-me de ver cadeiras junto às lojas e às entradas das casas, sem ninguém. Cadeiras estas, que no dia seguinte, bem pela manha, acolhiam grupos de pessoas. Mulheres que sorriam enquanto falavam euforicamente umas com as outras – e que eu achava que estavam aos berros – e homens de t-shirt levantada, enrolada à gola exibindo as barrigas redondas como quem grita: “está calor, porra!”.
Agora, numa nova casa, num apartamento “ocidentalizado” – não fosse a vista e a necessidade do ar condicionado ligado, apostava que vivia ali na zona de Benfica, pela construção bem portuguesa – recordo aquela rua que me recebeu. E tão bem o soube fazer.
Lembro-me da minha querida colega de casa a guiar-me na odisseia das compras, umas coisas num supermercado, outras no outro. Recordo o seu alerta: “eles [os locais] não te ligam puto, é inútil dizeres olá”. Não acreditei, e no fundo, nem ela acredita.
Hoje, volto lá, o senhor dos legumes já sabe quais as minhas preferências, e quando me puxa pelo ombro eu já sei: lá ao fundo há batata doce da “maiorzinha”, tal como eu gosto. A senhora das flores reformou-se, não sem antes me oferecer um lindo ramo de flores e eu, uma caixa de chocolates. Chegámos a tirar fotografias juntas para explicar à família quem era a “senhora das flores à porta de casa”. Nunca percebi uma palavra das longas conversas com ela, e quase que aposto que simpática vendedora de flores, também nem sequer sabe o meu nome. O menino dos material electrónico continua atrevido – bem incomum por estes lados – ri-se, chama-nos bonitas e reforça “no discount”. Agora, moro do outro lado do rio, mas por eles, vou ali, todas as semanas. Mal eles sabem que foram os seus abraços que, sem me tocar, me abraçaram e acalmaram as noites duras. Por eles, senti um novo lar.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: um
Nas notícias por aqui: O Chefe do Executivo, Chui Sai On, representante máximo de Macau, irá, em Setembro, numa visita oficial a Portugal, a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República. A data concreta ainda está por anunciar.
Sabia que por cá… a humidade, em certas alturas do ano, ultrapassa os 95%
Um número surpreendente: Dados relativos ao segundo trimestre do ano indica que a população de Macau ultrapassa os 650 mil habitantes, num total de 30,5 km², segundo a Direcçāo dos Serviços de Cartografia e Cadastro.