A cortina abre ao som de America do inesquecível duo Simon & Garfunkel e ficamos a saber que todos viemos à procura da América, mas, neste caso, ela está no meio de nós. América, Suiteamérica, a nova produção do Teatro dos Aloés, é, como o seu título indica, um pequeno conjunto de duas peças, duas histórias sobre a América dos anos sessenta, que também sugere a acepção sweet, a brincar com a sonoridade da palavra, ou doce América.
Rui Mendes, o encenador e autor desta escrita, partiu de duas peças em um ato, dos anos sessenta do século vinte, George (1961) do publicista nova-iorquino John Anthony West (1932) e Torrão de Açúcar ou It’s Called the Sugar Plum (1968), do dramaturgo, guionista e poeta Israel Horowitz (1939).
São duas comédias dramáticas em um ato, em que o tema do destino humano surge religado à ironia, ou ao desafio do destino, apresentando dois casos em que os intervenientes lutam por se adaptar às novas condições de existência. Aqui, o naturalismo não é só usado para expor problemas sociais como em O’Neil, Miller ou Williams, mas integra a experimentação temática e estilística dos anos sessenta que a forma de ato único vem potenciar: o argumento foca-se num único incidente ou peripécia que toma de surpresa as duas personagens (cujo historial conhecemos muito pouco) e que vão desenvolver estratégias surpreendentemente cómicas e absurdas com vista a um desenlace que será sempre abrupto.
O facto das duas peças versarem sobre a realidade americana dos anos sessenta do século passado, de facto, não afeta a sua contemporaneidade, pois, as doenças-tema da sociedade expostas são as mesmas de que padecem em geral todas as sociedades ocidentais: solidão, medo, egoísmo, individualismo, adições, alienações, desorientação, superficialidade das relações.
Rui Mendes, ao escolher o formato minimal, dá resposta ao pequeno orçamento do Teatro dos Aloés, mas demonstra igualmente como o teatro, em qualquer dos géneros e das suas formas de produção, pode também responder à necessidade de refletirmos em conjunto, de forma lúdica e séria, sobre o que nos rodeia, através da fórmula mágica de tudo acontecer entre pessoas, conjugando os saberes e os afetos, uns no palco outros na plateia.
Nesse sentido, o espetáculo vinga e prima por grande coerência temática (duas peças em um ato) e estilística, a comprovar o entendimento consolidado do conceito artístico proposto. Desde logo, a assertiva realização plástica de Ana Paula Rocha que enche o palco com uma parede de fundo em forma de mural da Pop Art americana, um vibrante patchwork a la Roy Lichtenstein, com a sua distância estética indiciando o contexto da representação. À boca de cena, o inevitável televisor e os imprescindíveis sofás e mesas.
A encenação é primorosa, bem respaldada por uma boa escolha dos atores que inteligentemente se deixaram dirigir por alguém com muita experiência e saber. Em Torrão de Açúcar, os jovens Ana Bento e João Brito brindam-nos com uma interpretação talentosa, numa peça difícil, credíveis nas suas verdades momentâneas e moralmente ambivalentes, e na redefinição súbita do relacionamento, muito claros na dicção e ágeis no movimento. A segunda peça, George contou com um par de atores mais experientes, os veteranos Sofia de Portugal, a confirmar a sua inteligência e subtileza na expressão da inevitabilidade do destino, e Jorge Silva muito seguro e eloquente, a conferir comicidade às revelações que profere, afetando toda a trama.
Venha descobrir a sua América.
Teatro: Doce América
Rui Mendes é o autor e encenador da peça América, Suiteamérica, inspirada em dois clássicos dos anos sessenta: George (1961) e Torrão de Açúcar (1968).
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