Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ex diretor da Biblioteca Nacional e reitor da Universidade Aberta, Carlos Reis, 65 anos, é um dos mais destacados especialistas em literatura portuguesa, com uma vasta e relevante obra como ensaísta, investigador e crítico, sendo colaborador e colunista do JL desde o nosso nº 2
JORNAL DE LETRAS: Em que essencialmente se distingue esta História Crítica da Literatura Portuguesa de outras histórias da literatura….
Carlos Reis: Distingue-se das histórias da literatura, digamos, “convencionais”, porque a sua perspetiva é crítica. Ou seja, ela não é uma história da literatura de autor ou de autores, porque a visão que lança sobre a nossa história literária não decorre do pensamento e da análise desse autor ou desses autores que em si centralizam a configuração histórico-literária da nossa literatura. Sendo assim, a nossa História Crítica interessa-se sobretudo pelo contributo que a crítica literária deu à conformação da imagem de escritores, de obras, de movimentos literários, etc. Isto quer dizer que a fortuna ou a desfortuna de uma literatura depende (e muito) dos juízos críticos que, logo na época ou depois dela, conferem projeção a certos escritores e obras e lançam outros no esquecimento. Uma História Crítica ajuda a perceber esses acidentes de percurso. Exemplificando: logo depois da sua morte, na segunda metade dos anos 30, Fernando Pessoa não recolhia a notoriedade que atualmente tem, em boa parte por causa da atenção crítica que lhe tem sido dada; e os vários aspetos da produção de Eça de Queirós (do jovem Eça até ao chamado último Eça) têm sido objeto de leituras críticas que dão a imagem polifacetada que dele conhecemos.
Que caracterização se pode fazer de uma História Crítica?
O modelo por que se regeu a nossa está reconhecido como tal: é a excelente Historia y Crítica de la Literatura Española, dirigida por Francisco Rico. Aos componentes que a integram – sínteses introdutórias, elencos bibliográficos e textos críticos – a História Crítica da Literatura Portuguesa juntou, em cada capítulo, uma secção de textos doutrinários. Trata-se daqueles depoimentos e reflexões em que, sem o distanciamento que temos hoje, os próprios escritores problematizam, em registo programático, polémico ou crítico, o seu tempo e a sua produção literária. Géneros literários, estilos de época, movimentos estéticos ou temas dominantes são, então, objeto de análise, de tal modo que assistimos a uma história literária em processo de formação, com as hesitações, com os avanços e com os gestos inovadores que isso implica.
Porque demorou tanto tempo, um pouco mais de duas décadas, para completar o projeto?
Um projeto destes, para além da sua complexidade, envolve muitos colaboradores e muito trabalho, digamos, de biblioteca. A disponibilidade desses colaboradores é desigual e assim tem de ser coordenada. Por isso mesmo, o aparecimento dos vários volumes não foi sequencial, mas o plano estava estruturado desde o início e foi cumprido. Para além disso, um dos colaboradores não conseguiu levar a cabo a tarefa e foi preciso encontrar uma solução que adequadamente mantivesse o nível de exigência que a obra implica. Devo notar ainda que, ao longo dos anos, o apoio da editora nunca faltou, o que deve ser registado, porque nem sempre acontece assim.
Com a ‘demora’ referida, e os anos que foram mediando entre a saída dos nove volumes, será muito difícil encontrar nas livrarias os anteriores ao agora saído, não?
Uma obra como esta destina-se a estudantes e a estudiosos, ou seja, a um público relativamente especializado. Isso não impede que ela se encontre nas livrarias atentas, mas não talvez naquelas que se preocupam apenas com a “espuma (editorial) dos dias” e onde dificilmente encontramos já o livreiro culto e interessado de outros tempos. Por isso, quero crer que a disponibilização desta História Crítica se fará sobretudo através da venda online, que felizmente já vai sendo corrente entre nós. Quero crer, além disso, que um dia esta obra será objeto de uma edição em formato digital. O que, para livros desta feição, acaba por ser uma solução adequada.
Que balanço final faz da obra? Se a começasse agora faria alguma coisa diferente?
Quando se chega ao fim de um projeto (e em Portugal abundam os projetos incompletos) o balanço é inevitavelmente de satisfação, sem prejuízo das apreciações legítimas que outros possam fazer. E a verdade é que esta História Crítica corresponde a um modelo de obra que entre nós ainda não existia. Se faria alguma coisa diferente? Várias. Uma delas: teria tentado que os volumes fossem publicados sequencialmente. E teria acentuado os esforços que fiz para que o tempo que o conjunto tardou em ser completado fosse abreviado.